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Walton Nosé: "Inteligência artificial e os avanços na saúde"

Oftalmologista e professor adjunto livre-docente na Unifesp-EPM

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A inteligência artificial, muitas vezes citada apenas por meio da sigla IA ou, ainda, AI (artificial intelligence, em inglês), por definição, é uma área da ciência da computação que surgiu no intuito de levar para as máquinas a capacidade de aprendizagem do ser humano. É parte do avanço tecnológico que permite que sistemas simulem uma inteligência similar à humana, com base em padrões de extensos bancos de dados.

O termo “inteligência artificial” foi usado pela primeira vez em 1956, pelo cientista da computação americano John McCarthy, durante o seminário de Dartmouth. Hoje – a exemplo da Sophia, criada por David Hanson, em Hong Kong, e projetada para adaptar-se ao comportamento humano – o robô já consegue interagir com pessoas e possui capacidade de aprendizagem. Para se ter uma ideia, Sophia se tornou tão popular que já foi capa de revista, ganhou título de cidadã do mundo, concedido pelo Reino da Arábia Saudita, e até já discursou na ONU – seu vídeo falando sobre futuro e desenvolvimento sustentável já conta com mais de 2 milhões de acesso nas redes sociais.

Há quem diga que seja assustador ver um robô tão parecido com um ser humano, mas, com todo esse avanço, a inteligência artificial tem demonstrado excelentes resultados também na medicina. Hoje, já é possível lançar mão dela na prevenção de doenças, no aprimoramento de diagnósticos e no tratamento de pacientes em diferentes condições de saúde. De acordo com um estudo publicado na revista científica Nature no ano passado, utilizando um sistema de IA do Google, pesquisadores alimentaram um modelo de aprendizado de máquina com diversos dados de pacientes de dois hospitais norte-americanos e, como resultado, o robô conseguiu prever o tempo que o paciente iria ocupar o leito, receber alta e, até mesmo, a hora em que ele iria morrer.

Os sistemas de inteligência artificial aplicados à saúde se utilizam de dados e algoritmos (sequências de dados matemáticos) a fim de fornecer aos profissionais da área novos pontos de vista em tratamentos. Esses sistemas se baseiam em um grande volume de informações, que vão desde casos médicos diversos a evidências na literatura científica, coletados e salvos na nuvem, garantindo mais precisão nos diagnósticos e tratamentos. Uma das áreas mais beneficiadas pelo avanço da tecnologia e que também vem utilizando a inteligência artificial a seu favor é a oftalmologia. Atualmente, há um sistema que permite ao médico oftalmologista maior precisão nas cirurgias de catarata – calculando, em tempo real e em alguns segundos, o tamanho e as características de cada olho no momento da cirurgia, a fim de sugerir a lente intraocular mais adequada e, assim, minimizar erros refrativos. Esse sistema possui um banco de dados na nuvem onde são armazenadas as informações de todos os pacientes que já passaram pelo procedimento. Com base nos algoritmos desses dados coletados, o desempenho e o nível de precisão nas cirurgias futuras são aprimorados.  

O paciente com catarata precisa ter seu cristalino – lente natural do olho que fica opaca com a doença – substituído por uma lente intraocular. Durante o procedimento cirúrgico, o sistema ORA (Optiwave Refractive Analysis), como é conhecido, transmite informações que auxiliam na tomada de decisão sobre a escolha da potência da nova lente intraocular e na definição do seu posicionamento. Dessa forma, o médico-cirurgião tem um melhor desempenho, resultando na recuperação mais rápida do paciente, contribuindo para melhor qualidade na visão e evitando que um novo procedimento corretivo tenha de ser feito no futuro.   

Os benefícios da IA em medicina são inquestionáveis, mas estou certo de que o trabalho das máquinas jamais substituirá a atividade do médico. A inteligência artificial pode, portanto, proporcionar melhores resultados e maior segurança na tomada de decisão do médico frente a algo específico a ser realizado, mas é o próprio médico o principal protagonista que, com sua experiência, técnica, habilidades cirúrgicas e, ainda, conhecimento profundo, poderá fazer o melhor uso da ferramenta para benefício de quem mais importa nessa jornada: o paciente.

 

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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