Artigos e Opinião

ARTIGO

Vladmir Oliveira da Silveira: "O direito à educação e o arbitrário corte etário"

Professor titular de Direito da UFMS

Redação

06/09/2018 - 01h00
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O direito à educação permite o pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo e do fortalecimento do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. Representa igualmente o meio pelo qual se promove a consciência (individual ou coletiva) do valor do ser humano. Isso porque quanto maior o grau de educação de um povo, melhor este compreenderá, exercitará e respeitará preceitos democráticos e os próprios Direitos Humanos.

A CF/88 erigiu o direito à educação como um direito social e atribuiu à União a competência para legislar sobre o assunto. E assim o fez por meio da lei nº 9.394/1996 (LDB). A LDB distinguiu o direito à educação em: (i) educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e (ii) educação superior (artigo 21).

Quanto à Educação Infantil, a CF/88 dispõe que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) Educação Infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos de idade” (artigo 208, inciso 1). A LDB prescreve que “a Educação Infantil (...) tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (artigo 29).

Assim, indaga-se: por essas novas regras, estaria revogada a determinação do artigo 32 da LDB que ampliou o Ensino Fundamental obrigatório de 8 para 9 anos de duração, com início aos seis anos de idade. Ou até mesmo a Resolução nº 01/2010 da CEB/CNE, na qual a criança só teria a matrícula garantida para o primeiro ano do Ensino Fundamental ao completar a idade exigida, ou seja, seis anos até dia 31 de março do ano que ocorrer a matrícula. Assim, por exemplo, se a criança tiver nascido a partir de 1º de abril, seria obrigada a permanecer no Ensino Infantil e sua entrada no Ensino Fundamental seria postergada para o ano seguinte.

Tal assunto foi levado à discussão no STF (ADIn n. 17 e ADPF n. 292). Não obstante o STF ter decidido por maioria apertada em ambas as demandas que o corte etário de seis anos para o ingresso no Ensino Fundamental é constitucional, os ministros dividiram-se em relação à fixação de uma data de corte. Foi vencedor o argumento da constitucionalidade da fixação da data de corte. Assim, para realização da matrícula para o ingresso no Ensino Fundamental, faz-se necessário que a criança tenha seis anos completos até 31 de março.

Entende-se, todavia, que completados cinco anos e um dia, a criança teria o direito subjetivo ao Ensino Fundamental de nove anos de duração, a não ser em caso de existência comprovada de alguma inaptidão técnica. Acredita-se, portanto, que a CF/88 deve garantir o acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um (artigo 208, inciso 5). Em caso de o chamado corte etário não ser um requisito satisfatório, capaz de presumir uma incapacidade da criança em prosseguir no ciclo educacional, não deveria ser um requisito absoluto, como fixado nas decisões acima mencionadas.

Diante disso, defende-se que negar matrícula para o primeiro ano do Ensino Fundamental às crianças em função exclusivamente da idade – mais que isso, com base no mês de seu nascimento –, além de ser inconstitucional, fere o princípio da isonomia e proporcionalidade e pode até ser considerado como um ato discriminatório contra crianças, por exemplo, com níveis de desempenho acima da média. Deste modo, acredita-se que impedir o exercício do direito à educação de uma criança por meio de critérios arbitrários, além de injusto, é um atentado contra a sua dignidade e o seu desenvolvimento.

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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