Artigos e Opinião

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Vladmir Oliveira da Silveira e Ana Fernandes: "O que está acontecendo em nossas escolas?"

Professor da UFMS e advogado e advogada, respectivamente

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São lamentáveis as recorrentes agressões de alunos a professores no espaço escolar, aumentando ainda mais a insegurança desses profissionais nos ambientes que deveriam ser de aprendizado e convivência harmônica. Em 2013, uma pesquisa realizada pela OCDE colocou o Brasil em primeiro lugar no ranking de violência escolar. Os gatilhos da violência são dos mais diversos: vão desde a proibição do uso de celular em sala de aula ou a discordância de notas em provas até envolvimento dos alunos em gangues ou como resultado do uso de drogas.

Muito se discute acerca da importância da educação. Afinal, é um direito fundamental garantido tanto pela CF/88 quanto por instrumentos internacionais. Garantir o direito à educação vai muito além de se estabelecer currículos escolares e/ou diretrizes básicas. Compreende igualmente construir estruturas físicas, pedagógicas e psicológicas adequadas que proporcionem aos envolvidos um ambiente adequado e livre de violência.

Infelizmente, a violência por si só é um fenômeno social, cujas causas decorrem de diversos motivos (miséria, desemprego, concentração de renda, desigualdade, exclusão social, etc.). Assim, como fazer para que a violência da sociedade não penetre e se instale no âmbito escolar? Como fazer para que tenhamos jovens menos propensos à violência e capazes de enfrentar as dificuldades e as adversidades da vida adulta? Serão apresentadas aqui breves reflexões a respeito dessas indagações. 

Entende-se que as escolas não estão preparadas para enfrentar e combater esse fenômeno, seja do ponto de vista pedagógico ou de recursos humanos, seja falta de percepção de sua função social. Imprescindível o resgate de sua função social e solidária, valorizando-as como mecanismo de construção de identidade, de desenvolvimento da personalidade e de formação da cidadania. A educação não deve ser vista tão somente como uma forma de mobilidade social e/ou como preparação para o mercado de trabalho; mas também como o espaço adequado para a prática de convivência em grupo e a lidar com as diferenças sem violência.

É o lugar no qual se deve propiciar noções de responsabilidade, ética e convívio sociais, fundamentados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade de direitos. Portanto, é um locus importante de cidadania. É também o ambiente propício para exercitar os meios pacíficos de solução de conflitos.

Situações de violência no espaço escolar exigem atenção e sensibilidade no seu manejo; pois não é suficiente a simples constatação de sua existência. Entender o binômio violência-escola em suas mais diversas formas de manifestação depende da análise de um conjunto de circunstâncias e elementos, a fim de estabelecer o papel que os atores sociais teriam de desempenhar na prática escolar. 

O que ocorre, no entanto, é que as escolas, em vez de ajudar na solução do problema, acabam por se transformar no que o antropólogo francês Marc Augé alcunhou de “não lugar”. Não raro as escolas se omitem, diminuindo sua própria importância e ocasionando relações frágeis. As escolas transformam seus problemas em “caso de polícia” ou envolvem o Conselho Tutelar argumentando que a questão tem origem familiar e neste contexto é que deve ser solucionado. A escola, portanto, isenta-se de sua própria responsabilidade na formação da consciência cidadã. Por sua vez, o poder público responde à violência com a compra de câmeras de vigilância ou a instalação de alarmes, acreditando que inibirão comportamentos violentos. Mas tais medidas não se sustentam, porquanto não vêm surtindo os efeitos práticos desejados, vez que a violência dos alunos contra professores permanece crescendo. 

Talvez, uma possibilidade viável e de baixo custo seria o incentivo pelo poder público de um maior envolvimento da comunidade com a escola, ou seja, abrindo suas portas para atividades esportivas e culturais, a fim de promover uma efetiva integração entre ambos. Ademais, o envolvimento dos alunos com a escola e o poder público na elaboração de políticas e na adoção de estratégias com o objetivo de diminuir consideravelmente ou até mesmo eliminar o problema da violência no contexto escolar, de um lado, traz um sentimento de participação democrática e, por outro lado, afasta o sentimento de autoritarismo. Justifica-se, assim, essa sugestão porquanto, ao serem ouvidos, haveria uma maior efetividade na tomada de decisões e compartilhamento de responsabilidade, resultando na construção de um “locus” cidadão.

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A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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Antissemitismo contemporâneo e violência simbólica

O atentado ocorrido em Sydney durante uma celebração de Hanukkah não pode ser lido apenas como um episódio de violência extrema circunscrito a um tempo e a um lugar específicos

16/12/2025 07h30

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Havia velas acesas. Não como metáfora literária, mas como gesto antigo: pequenas chamas dispostas contra a noite, insistindo em permanecer. O atentado ocorrido em Sydney durante uma celebração de Hanukkah não pode ser lido apenas como um episódio de violência extrema circunscrito a um tempo e a um lugar específicos.

Ele se apresenta como sinal perturbador da permanência histórica do antissemitismo enquanto estrutura simbólica ativa, capaz de atravessar séculos e adaptar-se continuamente às linguagens do presente.

Longe de constituir um desvio isolado, o ataque se insere em uma longa cadeia de acontecimentos que revela como o ódio ao judeu opera como lógica recorrente de exclusão. O antissemitismo não funciona como simples preconceito individual ou falha moral pontual.

Trata-se, antes, de uma racionalidade do ódio: um mecanismo coletivo que organiza frustrações sociais e crises identitárias por meio da eleição reiterada de um inimigo histórico. Hannah Arendt já advertia que o antissemitismo moderno não é um resíduo medieval, mas produto da fragilização das estruturas políticas e do espaço público.

A história judaica, marcada pela diáspora, pela perseguição e pela resistência, construiu-se sob o signo da memória. Não se trata de uma memória passiva ou meramente comemorativa, mas de uma memória ética.

Há aqueles que afirmam que os judeus têm o dever de continuar existindo enquanto judeus, para não conceder ao nazismo uma vitória simbólica póstuma. Cada ataque contemporâneo, portanto, não fere apenas indivíduos, mas tenta romper uma continuidade histórica sustentada pela transmissão cultural.

O fato de a violência ter ocorrido durante o Hanukkah – festa da luz e da resistência – intensifica a perversidade simbólica do atentado. Quando o sagrado se torna alvo, não se atinge apenas uma comunidade específica, mas a própria ideia de convivência plural.

Elie Wiesel lembrava que o maior risco moral das sociedades não é o ódio declarado, mas a indiferença que o normaliza.

No mundo contemporâneo, o antissemitismo frequentemente se mascara sob discursos políticos ambíguos, nos quais se confunde crítica legítima a decisões estatais com hostilidade dirigida a identidades coletivas.

Essa confusão cria terreno fértil para a estigmatização e para a legitimação simbólica da violência. A advertência de Primo Levi permanece atual: aquilo que aconteceu pode acontecer novamente.

Nesse contexto, a reflexão ética proposta por Martin Buber adquire especial relevância. Ao afirmar que toda vida verdadeira é encontro, o filósofo nos lembra que o antissemitismo nega radicalmente a relação, substituindo o rosto pelo estereótipo, o diálogo pela caricatura, o humano pela abstração.

Combater o antissemitismo não é tarefa restrita a políticas de segurança. Trata-se de um compromisso civilizatório que envolve educação histórica, responsabilidade institucional e vigilância ética permanente. Academias, universidades e veículos de pensamento atuam justamente no campo simbólico onde o ódio se forma ou é contido.

O atentado de Sydney interpela não apenas a comunidade judaica, mas toda a sociedade. Onde o antissemitismo encontra espaço, a dignidade humana se fragiliza. Defender a memória, recusar a indiferença e sustentar o pluralismo não são gestos retóricos.

São como aquelas velas iniciais: frágeis à primeira vista, mas suficientes para lembrar que a escuridão nunca é absoluta – apenas espera que alguém deixe de acender a luz.

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