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Vinicius Lummertz: "O país dos medos imaginários"

Ministro do Turismo e ex-presidente da Embratur

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João tem 15 anos. Os pais trabalham num resort recém-inaugurado. A mãe, na recepção e o pai é garçom. Ele tem uma vida simples, estuda e ajuda a família nos afazeres do lar. João ainda não sabe, mas o sonho de ter a sua própria pousada vai se realizar, com muito esforço, quando ele tiver 40 anos, o que permitirá criar seus filhos com mais perspectivas que as suas próprias. José, 16 anos, é filho de pais desempregados. As brigas em casa são frequentes. Sem perspectivas, ele foi aliciado pelo tráfico. A família será dilacerada de uma vez por todas quando José for assassinado, antes de fazer 21 anos, numa disputa por território entre quadrilhas rivais. Deixará um filho sem nenhuma perspectiva.

O desenvolvimento é uma questão moral com desdobramentos inimagináveis. Ao negarem-se oportunidades às gerações atuais, prejudica-se também as futuras. No Brasil, lutamos contra moinhos de vento, perdemos tempo com medos imaginários e contraproducentes, enquanto a nossa juventude é devastada por perigos reais. Burocracia, insegurança jurídica, leis arcaicas e ambiente de negócios pouco amigável ao investidor deveriam ser encarados como crime hediondo, num país considerado o número um do mundo em atrativos naturais e com mais de 12 milhões de desempregados.

O Brasil precisa exorcizar fantasmas que não param de pé diante do exemplo internacional. Nessa categoria está a falsa dicotomia entre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento. Enquanto países como Estados Unidos, Nova Zelândia e África do Sul usam a visitação em parques nacionais para gerar emprego e renda, o Brasil mantém mais de 250 unidades de conservação fechadas ao público, mesmo crescendo em 20% no último ano o número de visitantes nas pouco mais de 50 que estão abertas.

No contexto dos medos imaginários, encaixam-se também a legalização dos cassinos integrados em resorts. Do grupo dos 20 países mais ricos do mundo, 93% têm os jogos legalizados. Fechamos as portas para um negócio bilionário que funciona praticamente no mundo todo, mas deixamos a pirataria se alastrar e os nossos turistas gerarem empregos e movimentarem a economia do exterior.

Ainda não aprovamos os cassinos integrados a resorts, não permitimos que o maior grupo deste segmento invista mais de R$ 10 bilhões no País, mas não nos incomodamos com o jogo do bicho às claras em diversas esquinas. Estimativas indicam que os jogos ilegais movimentam quase R$ 20 bilhões na economia nacional.

A história do Brasil é da autossabotagem. Um País que tem quase 100 milhões de passageiros de avião, mas apenas quatro companhias aéreas concentram 99% do mercado. A título de comparação, os vizinhos Colômbia e Argentina, com menos de 50 milhões de passageiros, têm o dobro de empresas aéreas. Mesmo diante do quadro acima, a abertura das cias ao capital estrangeiro, autorizada por Medida Provisória ainda depende de votação no Congresso Nacional.

Ao nos fecharmos para o mundo, não percebemos que todos os nossos medos imaginários já foram testados e derrubados no contexto global. Os cruzeiros marítimos servem de exemplo. O Brasil, que já chegou a ter 20 navios no litoral, na temporada de 2010/2011, hoje tem apenas sete. Burocracia, falta de infraestrutura e elevado custo operacional explicam a retração de mais de 50% do segmento no País, enquanto no mundo, ele cresceu 40%.

O turismo é o setor ideal para exorcizar fantasmas imaginários – medo de visitantes em parques, medo de barcos em marinas, medo de turistas em cidades históricas não fazem sentido. Temos condições de gerar 2 milhões de empregos no setor de viagens nos próximos quatro anos, se mudarmos a mentalidade. Enquanto não virarmos a chave, infelizmente seremos o país dos Josés. Não por acaso, em pesquisa recente do Datafolha, 62% dos entrevistados de 16 a 24 anos afirmaram que deixariam o Brasil se pudessem. Saberemos que o Brasil mudou quando os jovens brasileiros quiserem ficar no País e outros do mundo quiserem vir para cá.