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Thiago Gomes da Silva: "A quem a cota zero não interessa"

Jornalista e advogado

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A nova lei de pesca amadora que entra em vigor em 2020, em Mato Grosso do Sul, bateu de frente com os interesses de um grupo – empresários, ambientalistas, pesquisadores e lideranças políticas – que há anos domina o comércio clandestino de pescado, manipula dados “científicos” e influencia decisões, como esta da cota zero.

Por que razão o pescador profissional se manifesta contrário a uma lei que não lhe afeta? Foi mantida a sua cota de 400 quilos/mês para a categoria, e a proibição de captura e transporte pelo pescador esportivo o beneficiará diretamente, pois terá consumidor (o turista) para o seu produto. O governo ainda se propõe a criar programas de apoio para agregar renda.
Na realidade, o pescador profissional está sendo explorado e usado por esse grupo como massa de manobra. Nas mãos do atravessador, escravizado, tornou-se dependente de pessoas inescrupulosas, que dominam o setor diante da conivência dos órgãos fiscalizadores e ausência de uma política de fomento que beneficie toda a cadeia produtiva.

O movimento ocorrido em Porto Murtinho, onde chamados pescadores fecharam o Rio Paraguai em protesto à cota zero, escancara os verdadeiros objetivos dessa reação orquestrada, que sensibilizou inclusive o Ministério Público. Murtinho é rota do contrabando de pescado, dominada por uma máfia integrada por brasileiros e paraguaios.

O poder dessa quadrilha, da qual faz parte gente de farda, assemelha-se aos traficantes de drogas e animais silvestres e contrabandistas de cigarro. Pessoas que no passado integraram uma equipe de investigação foram ameaçadas de morte, e o que se apurou foi arquivado.

O pescado, em grande escala, chega à fronteira com o Paraguai procedente da região norte de Corumbá, um dos destinos de pesca do Estado, e também do Rio Miranda. É transportado por estrada até Assunção, de onde retorna ao Brasil (Foz do Iguaçu), como produto paraguaio, para ser comercializado nas principais redes de São Paulo.

Essa constatação pode explicar o “vazio” contábil entre o volume pescado e o comercializado pelo pescador profissional, que é obrigado a emitir nota fiscal. Dados do Sistema de Controle de Pesca de Mato Grosso do Sul (SCPESCA) apontam que em 2016 a categoria capturou 191 toneladas de peixes, porém apenas 46 toneladas foram comercialmente declaradas.
Com a cota zero, o pescador profissional, devidamente organizado por meio de suas colônias, terá para quem vender diretamente o seu produto – o pescador esportivo – por um valor de mercado, e, aos poucos, vai se desvincular da sua dependência com o chamado “patrão” (atravessador), que lhe paga uma miséria pelo pescado. É um raciocínio obvio.

Essa mudança de paradigma, no entanto, fere os interesses de grupos que atuam ilegalmente na pesca, razão pela qual houve uma reação em cadeia contra a nova lei, que veio para reduzir os esforços de captura em nossos rios usando argumentos que subestimam a nossa inteligência, como: impactos social e econômico à pesca profissional e menos turistas aos destinos.

A proibição de captura e transporte de pescado hoje é uma tendência mundial; movimenta bilhões de reais, dentro e fora do Brasil. A Argentina é um exemplo, atraindo milhares de brasileiros – muitos dos quais deixaram de vir ao Pantanal por falta do peixe.

Portanto, não apoiar a cota zero é aceitar passivamente a exploração ilegal dos nossos recursos pesqueiros. É concordar com pesquisadores da Embrapa Pantanal, que agem ideologicamente para influenciar a opinião pública, dizendo que o extrativismo não é a causa da redução do estoque pesqueiro.

Argumento esse que o Ministério Público Federal se baseia para recomendar ao governo do Estado a suspensão da aplicação da nova legislação pesqueira. Segundo a Embrapa, “em termos qualitativos, observa-se que a maior proporção de espécies de peixes de grande e médio porte se mantém constante nas capturas anuais”.

Uma informação oficial que não tem base científica, em detrimento de uma proposta de ordenamento da pesca para salvaguardar a fauna pantaneira. Como o MPF se sustenta em tamanho desatino para questionar a cota zero?

Os dados estatísticos apresentados pela Embrapa Pantanal não avaliam os estoques pesqueiros, em declínio ano a ano. São análises pontuais, daquilo que é declarado por pescadores amadores e profissionais e fiscalizado pela Polícia Militar Ambiental. Não há estudos de campo nas nossas bacias. São estimativas de transporte de mercadoria – nada mais.

As medidas anunciadas pelo governo do Estado mostram o compromisso do poder público perante o meio ambiente, onde o interesse público sobrepõe o interesse comercial. Isso é constitucional. Por outro lado, as medidas apresentadas não alteram a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, como alega o MPF.

O decreto é uma ação cautelar, de garantir o equilíbrio entre as forças econômicas que exercem pressão sob os recursos pesqueiros e a necessidade de se proteger a natureza.

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Tarifa social é tendência global

10/04/2024 07h30

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À medida que avançamos em 2024, é notável o aumento no número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa social no transporte público. Este movimento marca um avanço significativo na busca por uma mobilidade urbana mais inclusiva.

Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que o país tem 103 municípios, distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal, que aderiram à prática, seja de forma universal (sete dias por semana), em dias específicos (aos domingos, por exemplo) ou para grupos em particular (como idosos, pessoas com deficiência e estudantes). São Paulo e Minas Gerais lideram a lista, com 29 e 26 municípios, respectivamente.

Vem crescendo o debate e as iniciativas que visam democratizar a mobilidade para o exercício da cidadania e a participação da vida política e cultural da cidade. No Enem 2023, 15 capitais do país ofereceram transporte público gratuito para garantir o acesso de todos os candidatos à prova. No segundo turno das Eleições 2022, 13 estados e o Distrito Federal também deram passe livre para os eleitores. No ano passado, Campinas (SP) deu exemplo no “Dia D” de vacinação de crianças e adolescentes, facilitando o acesso à saúde por meio da tarifa social.

Essas tendências respondem a um desafio crítico de mobilidade urbana, exacerbado pelo crescimento no uso do automóvel privado e pelo subfinanciamento do transporte público, levando a um aumento dos congestionamentos, da poluição e da desigualdade social, como aponta o pesquisador e jornalista pós-graduado pela PUC/SP, Daniel Santini, no livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”.

Só na cidade de São Paulo, o trânsito perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus entre 2013 e 2022. Buscando atrair a população de volta ao transporte coletivo, a prefeitura criou a iniciativa “Domingão Tarifa Zero”, que dá gratuidade às viagens de ônibus aos domingos, no Natal, em 1º de janeiro e no aniversário da cidade (25 de janeiro). Com o slogan “Explore, descubra, viva São Paulo”, o governo espera ampliar o acesso ao lazer e contribuir para a economia do município. No primeiro domingo com isenção de tarifa, o número de passageiros em São Paulo aumentou 35%, de acordo com dados da prefeitura.

Tallinn, capital da Estônia, é um ótimo exemplo de implantação de tarifa social, que varia de preço conforme o tempo que o passageiro pretende usar o transporte e também das atividades que pretende realizar. Com € 2 é possível utilizar o transporte público por uma hora. Pagando € 5,50, esse período aumenta para 24 horas, e por € 30, garante-se 30 dias de transporte. A tarifa mais cara (Tallinn Card, por € 78) inclui 72 horas de transporte e entrada gratuita em todos os museus e pontos turísticos da cidade.

Estudos econômicos sugerem que a tarifa social, quando bem implementada, pode ajudar a equilibrar o sistema de transporte público, ao moderar a demanda e incentivar um uso mais racional do sistema. Além disso, análises de sistemas de transporte em cidades europeias, como Tallinn, revelam que a tarifa social, não apenas aumenta o acesso ao transporte, mas também contribui para uma melhoria geral na qualidade do serviço. Além disso, essa associação benéfica a outros setores da cidade, como as atividades culturais, gera a inclusão tanto de moradores da cidade em ações que talvez não pudessem estar inclusos, como beneficia o turismo local, podendo gerar mais renda para a cidade como um todo — em especial as mais turísticas.

 Lá fora há outras cidades atentas. Chama a atenção o caso dos EUA, que tem uma forte cultura automobilística e onde a posse de um carro está mentalmente associada a progresso, independência e ao “sonho americano”. No país onde o carro próprio é o desejo de todo jovem-adulto, Kansas City (Missouri) é conhecida por ser a primeira cidade a implementar a tarifa zero no transporte público, em 2017. Mostrando que esse é um sistema benéfico para a população, ao longo dos anos, vimos algumas cidades aderirem à ideia, como São Francisco, na Califórnia. Já em 2023, houve um salto: 25 cidades de estados como Washington, Colorado, Ohio, Virgínia, Nova Jersey, Oregon e Carolina do Norte começaram a fazer testes de tarifa zero, incluindo Boston (Massachusetts) e Nova Iorque.

Na China temos a maior experiência de incentivo social já realizada em todo o mundo, em Chengdu, a cidade dos pandas-gigantes, uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes. Em 2012, Chengdu liberou os passageiros do pagamento das viagens de ônibus até as 7 horas da manhã, com o objetivo de diminuir o congestionamento. Hoje, mais de dez anos depois, 116 linhas são gratuitas durante todo o dia e as restantes saem parcialmente gratuitas por meio do bilhete eletrônico.

O Brasil já possui as tecnologias necessárias para uma ampla e bem-sucedida adesão à tarifa social, garantindo transparência e confiabilidade nas operações. A bilhetagem eletrônica oferece um controle preciso sobre o fluxo de passageiros. Aliada a avanços como validadores com biometria facial e telemetria, a bilhetagem eletrônica poderia garantir uma transição suave rumo à maior adoção da tarifa social, com autenticação segura e geração de informações detalhadas para relatórios, evitando erros e fraudes no sistema. Em Florianópolis, por exemplo, a tecnologia por trás do transporte público foi fundamental para a isenção correta da tarifa nos dias determinados pela prefeitura.

Para que o país abrace definitivamente essas ideias, precisamos de um programa nacional de apoio às novas tarifas para garantir a sustentabilidade financeira do sistema. O envolvimento dos governos estaduais e federal é imperativo para fornecer subsídios, evitando prejuízos tanto para os municípios quanto para as empresas e operadoras do setor de transporte público, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.


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Crise na Bolsa de Valores? Um alerta para a economia

10/04/2024 07h30

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À medida em que a economia brasileira enfrenta um período turbulento e os sinais de alerta começam a piscar, a Bolsa de Valores assume um papel crucial na identificação desses sinais.

Recentemente, a fuga de investidores estrangeiros da B3 atingiu seu pior nível desde o início da pandemia, somando-se aos desafios econômicos que o Brasil enfrenta. Esse fenômeno não deve ser encarado como uma mera flutuação do mercado, mas como um indicador sério da necessidade de revisão das políticas econômicas do governo.

No último dia de março, os investidores estrangeiros retiraram um total de R$ 5,547 bilhões da B3, acumulando um resultado negativo de R$ 22,897 bilhões no ano. Essa tendência descendente é um sinal alarmante, refletindo a perda de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Para um país que busca atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico, essa fuga de capital é profundamente preocupante.

Os investidores institucionais e individuais também demonstraram certa cautela em relação ao mercado de ações brasileiro (retirada de R$ 300 milhões). As instituições financeiras também não escaparam desse movimento, retirando R$ 13 milhões da Bolsa de Valores no mesmo período.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise na bolsa é a interferência do governo Lula em empresas estatais e privadas. A instabilidade gerada por essas intervenções afeta negativamente a confiança dos investidores, prejudicando o desempenho do mercado de ações. A Petrobras e a Vale são exemplos claros dessa conduta, com o governo exercendo pressão em suas operações e decisões estratégicas.

Além disso, a Eletrobras encontra-se atualmente no centro das atenções, já que o governo expressa sua intenção de reverter a privatização estabelecida pelo governo anterior. Essa incerteza em relação às políticas governamentais cria um ambiente instável para os negócios, desencorajando potenciais investidores e contribuindo para a saída de capital da Bolsa de Valores.

 É crucial que o governo reavalie sua abordagem em relação às estatais e privadas, adotando uma postura mais transparente e pró-mercado. A estabilidade e a previsibilidade são fundamentais para atrair investimentos e promover o crescimento econômico sustentável. Caso contrário, corremos o risco de ver mais investidores estrangeiros se afastando do mercado brasileiro, agravando ainda mais nossa situação econômica.

 Em tempos de incerteza, é essencial que o governo adote medidas proativas para restaurar a confiança dos investidores e promover um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder oportunidades de investimento e enfrentar consequências econômicas ainda mais severas no futuro.

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