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Thereza Hilcar: "Tire a roupa, por favor!"

Thereza Hilcar: "Tire a roupa, por favor!"

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Os aeroportos brasileiros estão se modernizando a cada dia. Ganharam impulso com os grandes eventos, Copa e Jogos Olímpicos, e continuam evoluindo, aumentando cada vez mais de tamanho. São verdadeiros Shopping Centers com pista de pouso e decolagem. Os de Brasília e Belo Horizonte, por onde passei recentemente e com os quais sempre estive familiarizada, me deram um baile. Não estivesse atenta, muito atenta, teria perdido as conexões tantas foram as mudanças em curtíssimo tempo. Em alguns, como o Heatrow (Londres) ou Atlanta (EUA) você fica facilmente para trás. Há que ter um mapa ou um inglês fluente. E, claro, evitar as distrações consumistas.

Na contramão das reformas e modernidades, no entanto, caminha o viajante brasileiro. E confesso, tenho sentido muita preguiça de voar. Mas para viajar ainda não inventaram coisa melhor. A minha conterrânea, escritora Adélia Prado, não anda de avião nem que a vaca tussa. Prefere o carro ou até mesmo o ônibus para se locomover Brasil afora, mesmo com enormes distâncias. Tem lá sua razão. Hoje em dia pegar um voo é quase uma epopeia nos grandes centros. Vai longe o tempo em que para viajar bastava portar um tíquete – de papel – e carteira de identidade – às vezes nem isto. Hoje é preciso fazer check-in antecipado, saber qual é a fila da bagagem, esquecer as embalagens normais de xampu, condicionador ou o equivalente, porque eles vão tomar de você. E não adianta chorar.

Passar pelo controle do raio-X é um tour de force. Penso que daqui a alguns anos teremos um compartimento para tirar toda nossa roupa antes de passar pelos equipamentos. E pelados abriremos maletas de mão para tirar tudo que a máquina não consegue distinguir. Depois que tudo passar pela revista, vestiremos nossas roupas, calçaremos nossos sapatos, colocaremos os adereços de volta e, ufa, vamos procurar o portão de embarque. Exagero? Nada disto. Há pouco menos de dez anos, no aeroporto de Nova Délhi tive sim que ficar de roupa íntima na frente de uma segurança, que sem a menor cerimônia fez a revista e me mandou seguir em frente. Tudo bem, era um local privado. Mesmo assim não foi nada agradável. Medidas de segurança são imprescindíveis, é claro. Mas com tanta tecnologia não dá para simplificar um pouco as coisas?

Enquanto isto, enquanto os aeroportos colocam em prática toda forma de segurança, e fazem de tudo para distrair as pessoas do incômodo com verdadeiro oásis de consumo, os passageiros continuam sendo os mesmos de antes. Não, estou mentindo. Eles estão piores, muito piores. Assim como o bilhete sumiu, também sumiram todo e qualquer tipo de bom senso. De educação mesmo. E ainda carregam mochilas enormes (que esbarram em todos ao redor), e não desgrudam um segundo do celular ou tablet como se fossem extensões dos seus membros. E seria pedir muito que tomassem uma chuveirada antes de dividir um espaço exíguo com outras centenas de pessoas? Ou que não falassem tanto, gritassem tanto, nem tirassem sapatos e meias durante aquele voo tão curto?

É puro saudosismo, eu sei. Mas às vezes gostaria de poder rebobinar o tempo e voltar à época em que todos vestiam seus melhores trajes, sorriam discretamente, falavam num volume civilizado e nem se sonhava com celulares e tablets. Durante a viagem só se ouvia o ronco dos motores, o tilintar dos copos de talheres (sim, eram de louça, naquela época)e as vozes dacabine de vez em quando. Tempo em que não se pagava multa por trocar o horário do voo, nem para se sentar na fila do meio, tampouco para comer alguma coisa, qualquer coisa mesmo, apenas porque isto nos dava segurança? Hoje nos dão, com muito custo, um pacotinho de amendoins rançosos, ou bolachinhas sem graça, meio copo de água e o resto só pagando. E se não gostar que vá reclamar ao bispo. Ou faça como a gentilíssima Adélia Prado: pegue um busão. Vai que dá sorte de se sentar ao lado dela...

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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