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Sylvia Cesco: 'De sacis e de nós'

Sylvia Cesco: 'De sacis e de nós'

Redação

22/03/2018 - 07h30
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O ato de escrever para todos nós, poetas e escritores, sem dúvida, é algo que envolve emoções multifacetadas...

Uns escrevem para si mesmos, como um processo de catarse, para expulsar os demônios que lhes corroem as entranhas ou agradar aos seus tímidos anjos. Outros, para compartilhar sentimentos diversos seja lá com quem for.

Na motivação para escrever, de um modo geral, a maioria se reconhece tal como construtores de pontes por onde se realiza a travessia entre si e eles próprios; ou entre eles e o outro, como defendia o filósofo russo Mikhail M. Bakhtin.

Com estilos variados, o fato é que todo aquele que escreve vai enchendo a vida de magias. Mas haveria fórmulas mágicas para se escrever bem? Sim e não. Depende do conceito que se tem do que seja “escrever bem”. Seria dominar as regras gramaticais? Conhecer profundamente as características dos gêneros literários?

Fazer-se entender o mais claramente possível pelo seu leitor? O fato é que escrever bem é um conceito muito, muito subjetivo. Se, para mim, a leveza de um texto, sua fluidez, seu ritmo, a cor e o sabor das palavras e a criação de neologismos me levam às nuvens, para outros, pode ser, na poesia, a métrica exata, a rima rebuscada; na prosa, a objetividade, o realismo acadêmico, a fantasia contida, as incógnitas, os suspenses... 

Há umas quatro décadas, alguém da área literária teve a “brilhante ideia” de parafrasear Thomas Edison (e não Einsten, como muitos imaginam) quando inventou a lâmpada, passando a divulgar que “fazer literatura é 1% inspiração e 99% transpiração”. Discordo totalmente de tal afirmação, bastante fora de moda.

Na minha opinião, escrever é tão subjetivo quanto seguir os caminhos do próprio coração. Para muitos, esses caminhos são bucólicas estradinhas, sem porteiras nem trancas, por onde as palavras caminham enquanto observam as belezuras que as cercam.

Para outros, no entanto, são perigosas e modernas estradas asfaltadas, de mão única ou dupla, por onde a escrita vai passando, vai correndo, vai voando, ora obedecendo às regras de trânsito gramatical, ora passando pelos sinais vermelhos, alguns pela pressa de chegar, outros pela rebeldia com que dirigem o seu ato criador, ou ainda por um daltonismo literário.

Em todas essas três causas (há outras), nós, que escrevemos ou pretendemos fazê-lo, temos de ter a maturidade de acolher aquele terceiro olhar, o de fora, o isento das preocupações do autor, aquele que nos ajuda a dar cabo dos “sacis” citados por Monteiro Lobato em sua célebre reflexão: “Durante a revisão, os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis.

Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar”.

Evidentemente, todos nós idealizamos um cenário sem sacis em nossos escritos. Mas não tem jeito. Os gurizinhos travessos aprontaram até com nosso impecabilíssimo e elegantérrimo Machado de Assis. Se bem que, no caso do maior escritor da Língua Portuguesa (minha opinião), quem aprontou foi um bisavô do saci, chamado tipógrafo.

Em 1901, Machado de Assis fez um agradecimento, no fim do prefácio da sua obra “Poesias Completas”, às palavras elogiosas de um amigo, também escritor, Caetano Filgueiras.

O livro foi publicado por Baptiste-Louis Garnier, um francês radicado no Brasil, cuja editora ficava na França, motivo pelo qual “Poesias Completas” foi composto e impresso naquele país. Lá, aconteceu a maior “judieira” com o nosso Machado: na frase “... A afeição do defunto amigo a tal extremo lhe cegara o juízo que não viria a ponto reproduzir aqui aquela saudação inicial”, texto original de Machado sobre Filgueiras, que já havia falecido à época, a vogal “e” foi trocada por “a” pelo tipógrafo responsável, mudando totalmente seu sentido, além de ser, obviamente, um termo bastante inapropriado para um agradecimento, mesmo que o agraciado já tivesse partido para a outra vida.

De modo que, acostumada que sou a ouvir os assobios dos sacis, não faço tragédia quando alguns deles saltam dos textos que escrevo ou dos que leio. E olha que leio bastante.

Encontro-os nas obras de professores de Língua Portuguesa, em textos de revisores, de advogados... Enfim, eu, tu, ele, nós, vós, eles, sem exceção, ninguém está a salvo de ser incomodado por um, dois, três ou um monte de sacis a pularem, de modo travesso, de dentro dos textos já publicados, querendo nos constranger com suas línguas irônicas e sem juízo.

Quando isso acontecer, lembre-se: se os sacis são um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar, quem somos nós para fazê-lo?

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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