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Simone Tebet: "Paz na terra"

Senadora da República

Redação

12/09/2015 - 00h00
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Nesses últimos anos, anos de crise econômica externa e interna, a produção do campo brasileiro tem cumprido um papel imprescindível, tanto ao garantir a comida na mesa das famílias, como ao colaborar expressivamente para equilibrar os resultados da balança comercial. Em 2014, o campo literalmente salvou o Brasil de um desastre nas contas externas: o déficit comercial brasileiro, de 4 bilhões de dólares, teria alcançado a soma estratosférica de 84 bilhões de dólares, não fosse a contribuição da produção agropecuária, que conseguiu um saldo positivo de 80 bilhões de dólares. 

Para continuar produzindo alimentos, riquezas e divisas, entretanto, nossos verdes campos precisam de alguns insumos básicos. Muitos deles são óbvios, e reconhecidos por todos: sementes, adubo, água, financiamento, infraestrutura de escoamento. Há um insumo, entretanto, tão importante que, sem ele, todos os outros se tornam insuficientes, e este não é tão facilmente identificado, principalmente por aqueles que não vivem nem trabalham no campo: a paz.

Garantir a paz no campo significa pôr um fim nos históricos conflitos fundiários que colocam, de um lado, as populações indígenas originárias, ocupantes primeiras do território, com sua economia comunitária, e, de outro, os proprietários rurais, responsáveis pelos continuados recordes de produção alcançados pelo agronegócio. Os conflitos, com variado grau de violência, eclodem de tempos em tempos em todo o País, embora com maior visibilidade em alguns estados, como é o caso do meu Mato Grosso do Sul, que, além de ser um dos mais importantes estados produtores, é também aquele que detém a segunda maior população indígena do Brasil.

Esses conflitos sem-fim produzem um estado geral de instabilidade – social, econômica, jurídica – que afeta a todos, índios e não-índios, que se vêm impedidos de conduzir normalmente suas atividades produtivas e mesmo suas vidas cotidianas. Índios expulsam brancos. Brancos expulsam índios. Mulheres e crianças indígenas têm medo de circular pelas cidades. Moradores das cidades passam a temer a ocupação de suas casas. Essa situação é fruto da omissão do Poder Público, em todos os seus níveis. Cabe ao Poder Público, incluído aí, obviamente, o Congresso Nacional, encontrar e implementar o caminho da pacificação. 

Conscientes disso, os senadores sul-mato-grossenses, num trabalho conjunto como representantes de todos os brasileiros que vivem, produzem e sonham em Mato Grosso do Sul, lutamos em favor da pronta tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 71, apresentada originalmente pelo Senador Paulo Bauer em 2011. Relatada primeiro pelo saudoso Senador Luiz Henrique, a matéria foi brilhantemente defendida, em sua redação final, pelo Senador Blairo Maggi. Esse foi o texto que tive a honra de ajudar a aprovar no dia 8 de setembro (um dia depois do feriado da Independência). A PEC segue agora à apreciação da Câmara dos Deputados.

O texto aprovado, que espelha o amadurecimento alcançado por todas as partes envolvidas (indígenas, proprietários e os órgãos e autoridades do Estado), parte da premissa de que a demarcação das terras indígenas é direito constitucional, assim como o é o direito de propriedade dos proprietários de boa-fé – estão excluídos, portanto, os grileiros e invasores de vária espécie. A solução adotada é ao mesmo tempo simples e eficiente: reconheçam-se e demarquem-se as terras indígenas tradicionais, e indenizem-se as famílias que adquiriram honestamente propriedades nessas terras, inclusive com títulos concedidos e reconhecidos pelo Poder Público.

Ao estabelecer que a indenização deve se dar – previamente e em dinheiro – correspondendo ao valor da terra nua e das benfeitorias nela realizadas, a PEC assegura o justo ressarcimento a quem detém o legítimo direito à propriedade, eliminando assim o maior obstáculo à desejada pacificação. 

O Brasil é grande, nele cabem todas as etnias, todas as culturas, todas as formas de propriedade e de produção. É minha convicção que a PEC 71/2011 traz importante contribuição para que o campo brasileiro, ao invés de queimar em conflagrações intermináveis, possa cumprir o seu destino de produtor – de riquezas, sim, de alimentos, certamente, mas, principalmente, de relações pacíficas entre irmãos, entre homens e mulheres de boa vontade que reconheçam que a maior riqueza que possuímos é a diversidade que nos constitui desde os primórdios de nossa História.

Os tempos estão maduros para a colheita da paz.

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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