Artigos e Opinião

ARTIGO

A+ A-

Ronaldo Braga: "Está certo disso?"

Professor universitário e advogado criminalista

Continue lendo...

Não raro, nos confrontamos com julgamentos que decidem vidas e liberdades de pessoas, razão de envolvimento na prática de ato típico, antijurídico, culpável e punível; algumas são absolvidas e outras, condenadas. Até onde a vista alcança, portanto, sabe-se que o clímax do processo é a sentença aplicada pelo Magistrado penal. Curioso, no entanto, é se convencer do resultado decorrente da jurisdição prestada, eis que ausente na concretização da ilicitude e, com isso, por desconhecimento da inteireza do fato nem sempre estará certo disso, estreme de dúvidas.

Pois bem, julgar não é fácil nem se revela algo ao alcance de todos. Isso requer preparo, conhecimento de lógica e de direito, sem prejuízo exímio da ética. É disso que se espera do Estado-Juiz: aja com justeza e imparcialidade. Ausente na cena primária, o julgador deve se cercar de todas as informações precedentes e disponíveis nos autos que, invariavelmente, são trazidas por terceiros e, às vezes, também sequer presenciaram o drama contextualizado na sua plenitude. Assim é a Justiça criminal, creiam.

Diante da consolidação do ato proibido, o Estado provocado e de maneira exclusiva age na prestação jurisdicional. Claro, além dele, há outros importantes agentes públicos que, consequência da função institucional, igualmente prestam suas contribuições na busca das verdades, reais ou não, sempre buscando o restabelecimento da ordem pública. Entre elas, está o responsável pela persecução penal, além do titular da ação penal a qual futuramente poderá ser instaurada pelo Estado-Juiz.

Em ato contínuo e permanente, a resolução do imbróglio penal necessariamente passará pelo chamamento das partes envolvidas por meio dos atos judiciais específicos, tais como a Citação e a Intimação. Todavia, torna-se importante ressaltar que a certeza dos fatos restará fornecida somente pelos réus e vítimas que efetivamente vivenciaram o drama; os demais personagens, quando muito, trarão, individualmente, apenas a verdade. Destarte, digo, pois, as testemunhas oculares também poderão trazer a certeza desde que tenham efetivamente presenciado o enleio. Já as referenciais, trarão apenas informações que em nada contribuirão para o deslinde da causa. Salta aos olhos, portanto, a gritante diferença entre a certeza e a verdade. Sendo esta, sempre produzida pelas partes durante a fase das instruções – “due process of law”.

Incontroversa, portanto, revela-se a competência constitucional do Estado julgador de decidir as questões penais. Deriva daí, a oportunidade para a construção de provas esclarecedoras que poderão comprovar a materialidade e autoria do fato ilícito. Ao Magistrado penal, compete apreciá-las na forma legal; provas ausentes do caderno processual não estão no mundo como, aliás, se extrai do importante brocardo jurídico: quod nonest in actis non est in mundo. Destarte, no que tange à verdade, não se deve perder de mira que se trata de uma prerrogativa absoluta daquele que vivenciou o drama penal e seus reflexos; sua compreensão se torna impossível àqueles que apenas souberam ou ouviram dizer. Claro que os Operadores do direito esperam do julgador aquilo que figura ser mais impactante às partes, o clímax do processo: a sentença! Porém, com todo o respeito, é de se arguir: daquilo tudo que permeou o processo penal, é suficiente para que o julgador tenha certeza ou apenas transige com a verdade dos autos? 

Enfrentando estas questões nada singelas, é cediço que a doutrina brasileira adota como regra de avaliação das provas em Direito Penal, o chamado sistema de avaliação da prova, que são divididos em três: a) Livre convicção: que é o método concernente à valoração livre ou a íntima convicção do magistrado, significando não haver necessidade de motivação para suas decisões. É o sistema que prevalece no Tribunal do Júri; b) Prova legal: cujo método é ligado à valoração taxada ou tarifada da prova, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem como restringido na sua atividade de julgar; c) Persuasão racional: que é o método misto, também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada. Este é o sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, devidamente amparado no artigo 93, IX, da Constituição Federal. 

Como se denota, com a apropriada permissão do caro leitor, dificílima é a tarefa de julgar, principalmente na exata dimensão daquilo que espera da Justiça: condenar culpados e absolver inocentes. Com a necessária vênia: a verdade está nos autos e a certeza está em nós.