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Rolemberg Estevão de Souza: "Machado de Assis e o Brasil de amanhã"

Diplomata

Redação

11/12/2017 - 02h00
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Pensar o Brasil de amanhã, após dois ou três anos de instabilidade, não é tarefa fácil. Lembro-me de minha juventude, entre Campo Grande e o Rio de Janeiro, quando me indagava sobre as vicissitudes da vida política nacional, as dificuldades econômicas – eram anos de inflação elevada e algum desemprego – e sobre o cenário internacional, então polarizado entre o “mundo livre” e o “mundo da opressão”.

Eram anos de efervescência da Guerra Fria e das disputas entre os blocos capitalista e socialista. A bipolaridade parecia ser insuperável e não se imaginava que um dia a União Soviética poderia soçobrar.

Vinham em meu socorro diversas leituras, mas uma em particular que quase hipnotizava, o romance “Esaú e Jacó” e seu desdobramento, o “Memorial de Aires”.

Machado de Assis foi um dos raros escritores que conseguia transpor, com maestria, os grandes debates políticos de época em cenas cotidianas do Rio de Janeiro da Belle Époque.

Nascido em 1839, em casa da Rua Cosme Velho, onde faleceu em 1908, teve vida simples, da infância no Morro do Livramento a aprendiz de tipógrafo, colaborador no Correio Mercantil a escritor de sucesso, de poeta amador a presidente da Academia Brasileira de Letras, fundada em 1896. Sua capacidade de interpretação dos acontecimentos políticos, porém, era extraordinária.

Qual não foi o fascínio de ler pela primeira vez o “Esaú e Jacó” e deparar com o capítulo LXIII, “Tabuleta Nova”, no qual Machado abordou a transição da Monarquia para o Império, em uma das passagens mais conhecidas da história da literatura brasileira. Nela, o personagem Custódio, proprietário da Confeitaria do Império, revelava ao Conselheiro Aires toda sua angústia diante das primeiras notícias sobre a revolução, ou seja, sobre a proclamação da República.

Uns dias antes havia mandado pintar nova tabuleta com o nome tradicional do estabelecimento e temia que as vidraças de seu estabelecimento viessem a ser quebradas por manifestantes republicanos ou algo pior. Além disso, perderia o dinheiro gasto na tabuleta nova.

O Conselheiro Aires, com a acuidade própria dos diplomatas, o que era seu caso, sugeriu algumas alternativas, diante das quais Custódio apresentava suas objeções. Não lhe agradou Confeitaria da República, por não saber se o novo regime teria forças para sobreviver.

Confeitaria do Governo desagradaria eventualmente algum opositor ao status quo. Escrever em letras pequenas “Fundada em 1860” ou “das leis” não evitaria que o leitor, ou melhor, o republicano enfurecido, ficasse apenas nas letras em destaque. Confeitaria do Catete poderia atrair clientes também para a concorrência. Enfim, talvez ficasse com Confeitaria do Custódio, afinal, “as revoluções trazem sempre despesas”.

O Conselheiro Aires sugeria, ao contrário do que pensavam muitos dos que sofreram as agruras da instabilidade política, que nada mudaria: “Nada se mudaria; o regímen, sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. Comércio é preciso. Os bancos são indispensáveis. No sábado, ou quando muito na segunda-feira, tudo voltaria ao que era na véspera, menos a Constituição”.

Certeiro ao interpretar a proclamação da República como uma mudança institucional, que não abalou as estruturas do cotidiano, o Conselheiro Aires tranquilizava o leitor diante das crises nacionais.

Machado de Assis, porém, não compreendia apenas as continuidades da vida do País. Conheceu as décadas de estabilização política do reinado de D. Pedro II, as dúvidas que se fizeram presentes à época da Guerra do Paraguai, as crises da década de 1880, a abolição da escravidão, a proclamação da República, a efervescência da vida política e intelectual do Rio de Janeiro de início de século.

Já em 1859, escrevia em defesa da imprensa e da liberdade de expressão diante das pressões das aristocracias: “Com o jornal eram incompatíveis esses parasitas da humanidade, essas fofas individualidades de pergaminho alçado e leitos de brasões. (...) É fácil prever um resultado favorável ao pensamento democrático”.

Com essas palavras de Machado retomo as considerações iniciais, para dizer que suas palavras me ajudaram na compreensão da redemocratização do Brasil, da Constituição de 1988 e mesmo no entendimento do fim da Guerra Fria. O que pensar dos acontecimentos atuais no plano internacional e interno?

O Brasil de amanhã não será o resultado da mudança de uma mera tabuleta, mas muito do que conhecemos continuará em nosso dia a dia após a próxima segunda-feira.

Quando perguntamos a cada concidadão e concidadã o que esperar do amanhã, não encontramos quem defenda a manutenção da corrupção do País, o descaso com escolas e hospitais, a segurança relegada a um segundo plano ou os governantes e parlamentares que pensam mais em si que no bem comum.

Talvez possamos, daqui a uns poucos anos, repetir a crônica machadiana e brindar a “um resultado favorável ao pensamento democrático”.

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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