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Rolemberg Estevão de Souza: "A segurança pública e suas dimensões"

Rolemberg Estevão de Souza: "A segurança pública e suas dimensões"

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A segurança pública – ou a falta dela – tornou-se, nos últimos anos, um dos mais desafiadores problemas enfrentados no dia-a-dia de muitos brasileiros e brasileiras. A ida ao trabalho sem a certeza da volta, os caminhos urbanos muitas vezes bloqueados por tiroteios e “balas perdidas” que encontram a morte de inocentes se tornaram rotina em várias cidades. O cidadão e a cidadã que labutam a cada dia em busca de boas condições de vida para si e para os seus, que pagam regularmente seus impostos e que muitas vezes ainda dedicam algumas horas a atividades voluntárias olham, perplexos, para dirigentes políticos pouco ou nada comprometidos com suas mazelas, quando não ocupados com atividades tipicamente criminosas. A insegurança de algumas de nossas cidades é tema a ser enfrentado com inteligência e determinação, em todas as suas dimensões. 

É com esse espírito de urgência que recebo com bons olhos o anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro e da criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, abarcando a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário Nacional e a Secretaria de Segurança Pública, que sairão da estrutura do Ministério da Justiça. A intervenção se realizará dentro dos marcos legais estabelecidos na Constituição e, portanto, respeitando o estado democrático de direito, com caráter temporário – sem prazo definido – e em comum acordo com o governo do estado. A justificativa é o grave comprometimento da ordem pública e a demanda por maior agilidade e articulação entre as forças de segurança. Os bons auspícios, porém, devem ser matizados com a devida atenção voltada às críticas a essas medidas. 

Entre as principais críticas às medidas destacam-se as seguintes: a) um novo ministério pode significar mais burocracia e maior lentidão no processo decisório; b) as instituições existentes são suficientes para o enfrentamento da violência urbana; c) a atuação das forças federais raramente coíbe a violência nas áreas desassistidas pelo Estado; e d) o caráter temporário da intervenção dificilmente cria mecanismos eficientes para o período que a ela se segue. Preocupações louváveis por parte de autoridades e da opinião pública, mas que se fragilizam diante da recordação dos insucessos das ações adotadas recentemente no nível estadual e municipal. 

Nesse aspecto, a própria experiência do Rio de Janeiro vem em nosso auxílio. Recentemente, ouvi em edição do programa Painel, da Globonews, muito bem conduzida pela jornalista Renata Loprete, que a atuação do Estado brasileiro na área da segurança pública envolve também uma dimensão conceitual. Neste programa, que contou com as brilhantes participações de Samira Bueno, diretora do Fórum de Segurança Pública, Leandro Piquet Carneiro, pesquisador do Nupps/USP e de Carlos Santos Cruz, secretário Nacional de Segurança, este último chamou a atenção para a necessidade de uma “política de segurança pública” para estabelecer claramente princípios e prioridades de ação. O tema não chegou a ser detalhado, mas uma “política de segurança pública” pressupõe não apenas a ação pontual e imediata, capitaneada por alguém que “chega para resolver”, mas o aprofundamento do conhecimento sobre as causas da violência urbana e seus agentes. 

A experiência das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, no Estado do Rio de Janeiro, coordenada pelo secretário José Mariano Beltrame, é muito provavelmente exemplo a ser seguido. As operações envolveram um efetivo de cerca 9.000 policiais, abrangeram aproximadamente 264 territórios e resultaram na implantação de 38 UPPs entre 2008 e 2014. O fracasso relativo deste conjunto de ações nos anos que se seguiram não se deveu à sua concepção ou à reação negativa por parte dos moradores. Deveu-se muito mais à falta de recursos materiais e operacionais, à presença precária do Estado nas áreas mais sensíveis e à conduta de dirigentes políticos, administrativos e policiais, nem sempre empenhados em assumir a plenitude de suas responsabilidades nas áreas específicas. 

A intervenção federal no Rio de Janeiro e criação de um Ministério da Segurança Pública, se realizadas com critério e responsabilidade, poderão se tornar marcos na recente história do país. Entretanto, não é aconselhável separar essas ações de outras dimensões da violência urbana como o descaso do poder público com as áreas mais necessitadas, a falta de oportunidades de educação e de trabalho, a precariedade dos sistemas de saúde e previdência social, etc. O primeiro passo foi dado. Uma decisão corajosa da Presidência e do Governo estadual para recompor a capacidade de ação da polícia do Rio de Janeiro e dos demais órgãos de segurança.