Artigos e Opinião

ARTIGO

A+ A-

Renata Bento: "Efeitos psicológicos da alienação parental"

Psicóloga e psicanalista

Continue lendo...

É muito comum em processos em Vara de Família observar filhos de pais em litígio ou divorciados sofrerem alienação parental por parte de um deles, ou seja, quando um dos genitores, ou ainda quem tem a guarda ou da tutela da criança, faz pressão para que ela tome partido de um lado, destruindo a imagem do outro e causando angústia e insegurança. 

 A título de esclarecimento é relevante explicitar que a alienação parental pode ser observada também em situações em que o casal não está separado, mas neste caso pode não ficar tão evidente ou pouco se falar a respeito, uma vez que todos ainda convivem sob o mesmo teto. Em situações como esta, a alienação parental não é deflagrada ou discutida porque a criança ainda não é objetivamente ou legalmente objeto de disputa entre os pais, ou seja, as brigas ainda estão no domínio doméstico do casal. Com alguma frequência se percebe, ao analisar por meio dos estudos periciais, os casos de separação litigiosa ou divórcio, que aquela queixa atual de que um dos cônjuges promove alienação parental, já poderia ter sido observada anteriormente, mas não havia na ocasião esta percepção. Ou seja, na reconstrução da história pregressa daquela família, por meio da perícia, observa-se que a queixa é atual, mas o problema é antigo; o modo como a família convivia já demonstrava sinais disfuncionais. E que no momento da ruptura conjugal deflagrou.

Os efeitos psicológicos da alienação parental têm sido material de discussão e preocupação entre os saberes da Psicologia e do Direito, justamente porque os riscos são muitos. A criança que cresce sendo objeto de disputa e tendo de escolher emocionalmente seu cuidador pode apresentar uma série de dificuldades emocionais.

É importante mencionar que a alienação parental pode ser experimentada pela mãe ou pelo pai, e não somente pelo pai (homem), embora seja mais observável. Sabe-se que pai e mãe são o primeiro suporte emocional para toda criança. Sendo assim, a família é considerada núcleo básico essencial e estruturante do sujeito. Como fica isso para a criança em meio à disputa judicial?

No Brasil, desde agosto de 2010, a alienação parental é definida por lei (nº 12.318, agosto de 2010). No Art. 2º da Lei, “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou a manutenção de vínculos.

Observamos, tanto na experiência clínica quanto nas avaliações para o judiciário, uma série de buracos emocionais no mundo psíquico dessas crianças e jovens; em uma época de suas vidas na qual a estabilidade emocional oferecida pelas funções parentais deveria estar presente como alicerce, mas não estão. A perícia psicológica é um exame delicado, que se desenrola por meio da investigação clínica da personalidade associada à análise dos fatos concomitante a dos sujeitos com base nos aspectos psíquicos e subjetivos, iluminando pontos conscientes e inconscientes do funcionamento mental dentro da dinâmica emocional, experimentada nas relações entre as pessoas. 

O que se observa em estudos periciais ou em atendimentos de crianças em processo de guarda é que, à medida que os pais conseguem diminuir as desavenças entre eles e passam a respeitar a criança como tal,  ela começa a apresentar uma melhora emocional significativa. O que quero dizer é que o estado emocional da criança vai depender muito do modo como os pais manejam a separação conjugal, como eles lidam com suas funções parentais. Em situações em que por meio de uma perícia a alienação parental fica comprovada, algumas medidas deverão ser tomadas pelo magistrado para proteger e fazer valer o melhor interesse da criança. Essas medidas podem ser variadas, desde o encaminhamento para atendimento psicológico, ao manejo da convivência com o alienado, até a perda da guarda da criança. Cada caso será avaliado individualmente. 

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

Continue Lendo...

O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

Assine o Correio do Estado

ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

Continue Lendo...

Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

ASSINE O CORREIO DO ESTADO 

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).