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Paulo Paes: "A lei do castigo e o falso entendimento de que punição educa"

Pós-doutor e professor da UFMS/Faalc

Redação

19/06/2017 - 02h00
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O polêmico Projeto de Lei 219/2016, ao contrariar os pressupostos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, desencadeou uma crítica radical de vários juízes, promotores, defensores, advogados e deputados.

A “Lei do Castigo”, como ficou conhecida, é chamada de “monstrengo jurídico”, por vários juristas, por conter erros constitucionais e conceituais grosseiros e irreparáveis.

No PL, está prevista a “aplicação de penalidades” contra alunos. Penalidade no dicionário é sinônimo de “pena, punição, lição, castigo”, que pela Constituição Federal somente pode ser aplicada por um juiz, mediante o devido processo legal.

No texto do PL, a penalidade é aplicada pelos gestores escolares sem direito ao contraditório e à defesa, afrontando a legislação brasileira e as normativas internacionais.

As “atividades com fins educativos”, sem critérios, transformam-se em trabalho forçado, como os exemplos apresentados em documentos contrários ao PL pela Defensoria Pública de MS, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e mais recentemente por mais de 30 instituições e entidades.

Está escrito no artigo 1° do PL: “Ficam os estabelecimentos da rede estadual de ensino obrigados a executar a aplicação (...)”.

Nesse caso, mesmo os gestores escolares que não concordam ou não aceitam essas penalidades serão obrigados a cumpri-las.

Ao focar apenas a rede estadual, sem as escolas particulares, comete-se uma imensa injustiça, penalizando apenas os que não têm recursos para pagar um advogado, pois, como a lei é inconstitucional, um pai de aluno pode obrigar o gestor da escola a reparar e ressarcir o dano causado ao seu filho.

Outros sérios equívocos do PL são a obrigação do gestor escolar de providenciar a revista dos alunos e a suspensão dos benefícios sociais da família.

Montessori, Froebel, Vigotski, Luria, Wallon, Bourdieu, Piaget e muitos outros demonstram em suas obras clássicas serem contrários ao castigo como prática educativa.  

Essas formas de “pena” prejudicam a aprendizagem do aluno, criando um sentimento de raiva e de alienação em relação aos professores, à escola e à sociedade. Quando um aluno é obrigado a lavar banheiro, pátio ou vasilha como forma de penalidade, isso caracteriza uma situação vexatória de exposição a um sentimento de chacota que gera sofrimento e raiva. 

Mesmo Skinner, que compreende os reforços positivos e negativos no desenvolvimento comportamental, é contra qualquer forma de castigo porque “causa efeitos colaterais perturbadores”.

O grande psiquiatra, pediatra, educador e pensador inglês Winnicott defende a relevância de “saber dizer não”, “o sentido do certo e do errado na criança” e a “colocação de limites rigorosos nas suas relações sociais”, mas vê no castigo uma ação antipedagógica que não educa e ainda impede o desenvolvimento.

O suplício apresentado por Foucault em “Vigiar e Punir” era aclamado por milhares de pessoas em praça pública. Esse PL tem o mesmo sentido de vingança, de castigo, de prazer pela dor do outro, mas na realidade contemporânea.

Muitos professores vivendo em situação de medo, acuados pela violência, veem nesse PL uma solução dos problemas de disciplina e desrespeito nas escolas, mas, na realidade, a proposta vai desenvolver ainda mais a raiva e a agressividade justamente dos alunos que mais precisam ter esses sentimentos abrandados.

As redes escolares e as legislações já dão instrumentos que possibilitam a utilização de sanções por reciprocidade, com caráter pedagógico e não punitivo. Só quem não conhece o verdadeiro teor do PL ou os fundamentos da psicopedagogia pode defender sua aplicação, porque é fundado no senso comum e no caráter punitivo antipedagógico. 

Trabalho, estudo e pesquiso a educação de infratores e usuários de drogas há mais de 30 anos e uma evidência sempre reencontrada é que a violência e a delinquência decorrem de vivências anteriores que causaram sofrimento. O respeito, a autoridade e os limites vão sendo construídos nas relações pedagógicas.

Tenho observado durante meus acompanhamentos de estágio, nas mais variadas escolas de Campo Grande, o grande número de professores e escolas que conseguem manter a autoridade e a disciplina necessárias ao fazer pedagógico.

Não precisamos de leis de fora do processo educativo, mas de formação continuada de professores, de condições de trabalho nas escolas, de valorização dos professores e de apoios externos como a cultura de paz e a justiça restaurativa.

*Paulo Cesar Duarte Paes. Pós-doutor e professor da UFMS/Faalc.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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