Surpreende o cinismo dos gestores do Consórcio Guaicurus ao ingressarem com ação judicial contra a Prefeitura de Campo Grande, alegando prejuízos desde 2012. Reclamam o valor de R$ 76,5 milhões relativos a supostos prejuízos. Convém lembrar que o contrato em questão foi celebrado em circunstâncias curiosas, antes do término da vigência do contrato anterior. Diante do descumprimento de cláusula relativa à idade máxima da frota e da ameaça de punição, partiram para o ataque. Parece litigância de má-fé.
A ação é embasada em parecer técnico encomendado pelo concessionário, apoiado em números certamente verdadeiros que revelam o decréscimo anual da demanda. E, a partir dessa constatação, são elencados os argumentos para justificar o pedido. Entretanto, ladinamente, omitiu um elemento da maior importância: a qualidade do serviço oferecido.
Posso afirmar, com conhecimento de causa, que a fuga dos usuários é consequência direta do péssimo serviço prestado, pelo qual se cobra uma tarifa abusiva. Nos meus devaneios, penso que o magistrado incumbido de julgar essa causa poderia, para conhecer o sofrimento da população, abrir mão de seu meio de transporte usual e, durante uma semana, submeter-se à rotina dos cidadãos que dependem de ônibus. Aliás, o prefeito, os vereadores e os técnicos da Agetran e Agereg poderiam fazer o mesmo. Seria uma forma simples de se aproximarem do universo de muitos eleitores.
Publiquei neste jornal, em outubro de 2014, que o transporte coletivo em Campo Grande é “a expressão concreta do desrespeito, da pequena violência cotidiana contra quem não dispõe de meios para viabilizar o transporte individual”. Em janeiro de 2015, disse que “as queixas centram-se no enorme tempo que se gasta à espera de coletivos, na insuficiência de ônibus nos horários de pico, obrigando as pessoas a viajarem sem conforto, como sardinhas em lata, e no elevado preço das tarifas”.
Em novembro de 2015, ao se cogitar a majoração do preço das passagens, sob esse mesmo argumento do decréscimo de passageiros pagantes, escrevi que “uma das lições elementares do empreendedorismo ensina que se deve, sob todas as formas, atrair clientes e, mais do que isso, fidelizá-los”, complementando que “a qualidade do serviço tem no encolhimento gradativo desse mercado, que ano a ano perde passageiros, a prova cabal de sua precariedade. Se tenho um transporte coletivo ruim; se perco tempo demais à espera do ônibus; se viajo em coletivos lotados, barulhentos, quentes e sem ventilação; se pago caro por esse péssimo serviço, resta buscar solução individual para minha necessidade de locomoção. Daí o crescimento da frota de carros particulares, motos e bicicletas”.
Ao se iniciar o segundo mandato de Reinaldo Azambuja, em janeiro de 2018, abordei o tema em artigo, afirmando que o governo deveria “intervir na questão dos transportes públicos, de competência municipal, é verdade, mas cuja precariedade, reflete-se no sistema de trânsito como um todo, com extraordinário impacto para a economia, devido às mortes prematuras e ao elevado custo do tratamento dos acidentados”.
Vejam que o problema é antigo, sem que o Consórcio Guaicurus, em nenhum momento, demonstrasse qualquer interesse em reverter esse quadro. Afinal, sua expectativa é sempre ganhar, seja qual for o serviço que preste. Se cair o número de passageiros, não há problema; os remanescentes são obrigados a pagar essa conta esdrúxula, pela qual eles nunca perdem. Muito bom ter um negócio nesse modelo de capitalismo sem risco, em que o lucro é do concessionário e o prejuízo é pago pelos usuários. Se os problemas são tantos, por que insistir? Larguem a rapadura, há de ter quem a queira