O noticiário sobre a Operação Lama Asfáltica dominou a pauta dos últimos dias, mostrando as ligações perigosas entre políticos, agentes públicos e empresários, e o modo como são desviados os recursos financeiros que deveriam ser aplicados em favor do bem comum. Esses crimes impedem a adequada e suficiente prestação de serviços à população e, no limite, podem provocar até a morte de cidadãos; todavia, a reação contra eles ainda é tênue, difusa. Essa quase indiferença talvez se dê porque o fato não apresenta nenhuma novidade, parece apenas a reprodução em âmbitos estadual e municipal daquilo que ocorre no plano federal, tão bem demonstrado pela Operação Lava Jato, centrada dos malfeitos da Petrobras e, agora, nos da Nuclebrás.
A corrupção, tudo indica, está entranhada de tal forma no tecido social, no teatro político, nas atividades produtivas, em suma, em todas as instâncias da sociedade, que já se confunde com o próprio modus operandi de se realizarem as mais comezinhas ações, privadas ou públicas. Vale dizer, ela transcende siglas partidárias, identidades religiosas, raciais ou de gênero, faixas etárias, penetrando toda a estrutura social, de forma avassaladora. Essa onipresença favorece a sua naturalização; é como se não houvesse outro jeito de agir ou governar senão levando vantagem em tudo, locupletando-se do erário público, em benefício próprio, contra todos.
A consequência dessa trágica conjuntura desagua, predominantemente, em duas posturas alienadas que tendem a minar, ainda mais, a tenra Democracia brasileira. A primeira é o descrédito generalizado na classe política. Obviamente, há motivos sobejos para não se confiar em quem detém ou postula cargo eletivo, tamanha a desfaçatez com que os políticos conduzem os governos e debatem nos parlamentos. O arremedo de reforma política recém-votada é a prova cabal desse comportamento. A segunda é a expectativa ingênua de que o impeachment da presidente, magicamente, restauraria a ordem, promovendo o saneamento e a higienização das práticas políticas, desconsiderando que, se acontecer, o sucessor é o vice-presidente. Nessa guerra não há santos e o que menos importa são os princípios republicanos; na realidade, cada qual puxa a brasa para a sua sardinha, pensando em faturar o máximo (em todos os sentidos), para garantir seus projetos pessoais de poder.
Ainda assim, é fundamental cerrar fileiras em defesa do ideário democrático. Quem viveu sob a ditadura sabe que a pior democracia é indiscutivelmente superior a todas as formas totalitárias de governo. Afinal, se é possível conhecer a extensão, os meandros, a estrutura da corrupção institucionalizada no setor público e nas empresas, é porque na Democracia existe liberdade de imprensa, órgãos de investigação independentes, Judiciário fortalecido, bases indispensáveis para a defesa da República. A prisão de empresários e políticos talvez possa trazer mudanças ao imaginário coletivo, mostrando que a impunidade não é tão absoluta quanto se supunha. Nessa perspectiva, ao se purgarem tantas mazelas, um passo é dado para se reverter essa situação. Mais do que nunca, é preciso cultivar a esperança, a grande arma de resistência para as conjunturas sombrias.
Nas últimas eleições municipais, “o povo, que não sabe votar”, talvez tenha intuído toda a lama agora revelada pela Operação Lama Asfáltica, impedindo, pelo voto, que o esquema se perpetuasse. Não adiantou, a vontade popular foi atropelada pela Câmara de Vereadores, também enleada com o dito esquema. Resta agora a apuração de toda a verdade, oxalá a tempo de impedir que os “fichas-sujas” se candidatem novamente.