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Normann Kallmus: "Previdência: o insustentável peso da realidade"

Economista-chefe da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande

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Quem nunca ouviu a frase “não existe essa coisa de almoço de graça”? Em “economês” isso se chama trade-off e quer dizer que ao decidirmos fazer alguma coisa, deixaremos de fazer alguma outra coisa, pelo menos naquele momento.
A discussão sobre a necessidade de reformar a previdência, passa por essa constatação. Não é que o país vai quebrar se não a reforma não passar, é que o ajuste vai acontecer, de um jeito ou de outro. Simples assim!

Não precisa ter imaginação: lembre da Grécia, lentamente se reorganizando, de Portugal, agora andando rápido e do Rio de Janeiro, onde nada foi feito e que continua “no buraco”.

Quando o desequilíbrio ocorre em alguma esfera inferior, funcionam os mecanismos locais. Primeiro o governante vai à público dizer que “vamos ter que apertar os cintos”, reduz horário de atividade e o cafezinho. Depois os aposentados deixam de receber. Por último entram na ciranda os servidores públicos da ativa. A quem vão reclamar se não há dinheiro? Podem pedir demissão e procurar emprego em outro canto. Vai ser difícil de encontrar porque estamos em recessão, lembra?

Mas se o problema é do país, entra em ação outro mecanismo porque a autoridade monetária pode emitir dinheiro. Na falta de alternativa, essa poderá ser a solução. Vai ser até mais fácil. Não tem que negociar com o STF, nem aguentar deputado chamando ministro de “tchutchuca”. É só imprimir dinheiro. Fácil, né? Só que não (ou #SQN para quem é mais ligado às mídias sociais).

Aumentar a massa monetária em circulação (esse é o nome esquisito que os economistas dão para impressão de moeda), vai gerar inflação, muita inflação. Mas todo mundo recebe e ninguém vai poder reclamar, apesar da queda do poder de compra do salário. Lembra do que comecei falando a respeito de almoço de graça? 

Pode-se mudar o nome das coisas, mas isso não muda sua essência. Pau é pau, pedra é pedra e fim de papo, apesar de sermos brasileiros e acreditarmos no infinito poder do jeitinho. 

A previdência do jeito que está, gera insegurança no ambiente econômico, portanto, se for resolvido o problema, passamos a ter mais oportunidades de investimento. 

Nossos congressistas e o STF só podem ter duas razões para não entender: querem “valorizar o seu passe” ou não querem que o país dê certo para evitar a continuidade do governo atual. Ambas ensejam má fé.

Esse não é um tema novo. FHC já tinha identificado o nó, mas preferiu garantir a reeleição do que resolvê-lo. Lula sempre foi consciente da necessidade de alteração e chegou a falar diversas vezes a respeito, mas apesar de contar com aprovação de “mais de 100%” dos brasileiros, segundo sua avaliação, nunca se dispôs a enfrentar o tema para garantir a manutenção de sua aura. Dilma falava a respeito, mas para não abandonar o culto à mandioca, deixou-o de lado. Temer quase o fez, mas a divulgação da gravação do “tem que manter isso aí”, sepultou a possibilidade. Sobrou para Bolsonaro, ou melhor, para Paulo Guedes.

Problemas crescem quando não são enfrentados e este é o caso.

Entre 2000 e 2010, apenas 10 anos, a população jovem (até 24 anos), caiu de 49,6% para 42,1% (-7,5 pontos percentuais). É essa população que não vai conseguir pagar a conta da nossa previdência, se não fizermos nada.

No mesmo período de 10 anos, a natalidade caiu quase 8% e a mortalidade, quase 9%. A expectativa de vida ao nascer, no entanto, cresceu 8%. 

Com o sucesso da ciência, a população está chegando a idades cada vez mais avançadas. Maior longevidade, mais dinheiro necessário para aposentadorias. Menos jovens, porque caiu a taxa de natalidade, menos trabalhadores contribuindo.

A oposição à mudança na previdência não tem nada a ver com dúvidas técnicas, mas com defesa de interesses de alguns grupos em relação ao restante da população. Estamos buscando um “jeitinho”, mas dessa vez não vai dar.

Mas se você prefere a inflação e mais recessão, fique à vontade. Só não diga que não foi avisado. Lembre que estamos mais velhos e que é ridículo “pagar de adolescente, talquei”?

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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