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​Mateus Boldrine Abrita: "Recessão global, possíveis impactos para o Brasil"

Professor da UEMS, doutor em Economia pela UFRGS

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Recentemente, vários países estão preocupados com a possibilidade de uma recessão global ou ao menos uma desaceleração mais forte. Quais são os motivos? E como poderia afetar o Brasil? Inicialmente é importante pontuar alguns fatores de instabilidades econômicas globais. 

i) Guerra comercial: Sem dúvidas a guerra comercial entre China e EUA gera muita instabilidade e queda dos investimentos internacionais, bem como perda do dinamismo de comércio. Para se ter uma ideia, o Fundo Monetário Internacional aponta custos que giram em torno de 430 bilhões de dólares para a economia mundial por conta desta disputa. Além disso, segundo uma pesquisa da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham), 66% dos empresários já incluem como riscos aos seus negócios o aumento de custos causado pela imposição de tarifas ou a queda de receitas provocada pela perda de fatias de mercado;

ii) Sanções internacionais: esta questão também tem gerado problemas econômicos (a despeito de entrar no mérito da motivação de impor sanções, que em muitos casos pode ser importante). Um exemplo simbólico é a sanção americana ao Irã que repercutiu na economia alemã (empresas europeias tem no Irã um importante mercado para seus produtos industriais). Por sua vez, a Europa entrando em recessão, toda economia mundial pode ser afetada. Outras sanções que geram instabilidades econômicas e perda de dinamismo de atividade econômica são: as sanções à Rússia e à Venezuela (novamente destacando que isto é uma análise de impacto puramente econômico, não entrando no mérito da necessidade geopolítica da sanção). É importante lembrar que o Brasil apresentou durante muitos anos um amplo superavit comercial de vários bilhões de dólares em relação ao comércio com a Venezuela, fornecendo, em grande medida, produtos industriais de maior valor agregado para o país vizinho;

iii) Instabilidades e impactos na economia europeia e mundial pelo Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), que talvez ocorra sem acordo e de forma abrupta – ou seja, com um impacto sobremaneira elevado;

iv) Instabilidades na Argentina: o país é um grande parceiro comercial do Brasil, o que pode resultar em vários impactos comerciais e econômicos no Brasil.

Portanto, caso vire realidade, EUA, China, Europa entrando em desaceleração econômica, somando-se esses outros elementos de instabilidades, certamente trarão impactos para a economia brasileira.

Com efeito, existem alguns agravantes e atenuantes nesse cenário. Como agravante, é importante considerar que os estados, bem como os Bancos Centrais pelo mundo afora, possuem um poder de intervenção e estímulos às economias muito menores que na época da crise de 2007-2008. Os estímulos fiscais estão “amarrados” por um já elevado endividamento e as taxas de juros não tem um “grande” espaço para quedas. Embora com menor poder de fogo que em 2007-2008, os governos ainda podem estimular as economias, então como atenuantes temos: estímulos do FED dos EUA, que apontou para redução de juros; estímulos na China e da Alemanha; também, a esperança de um acordo entre EUA e China; por fim, alguma revolução tecnológica que eleve a produtividade global, gerando novo ciclo de crescimento.

Dito isto, pensando no Brasil, os possíveis impactos são diversos (cambial, comercial, inflacionário, comércio, emprego, renda...). Contudo, aqui vou apontar um que julgo um dos principais. O governo vem apostando em reformas pelo lado da “oferta” da economia (tributária, trabalhista, previdenciária, liberdade econômica...) para gerar crescimento. São reformas que podem ser importantes dependendo do seu desenho, mas não resultam necessariamente em maior crescimento no curto prazo – talvez nem no médio prazo. A aposta da atual equipe econômica, mais liberal, é melhorar o ambienta para que o investimento privado seja protagonista. Entretanto, neste cenário de instabilidade política e econômica no Brasil e no mundo, é pouco provável que o investidor privado nacional e estrangeiro realize grandes investimentos, por conta do elevado risco. Com a demanda escassa, emprego e renda fracos, é muito improvável que o empresariado realize grandes investimentos.

Nesse sentido, é importante construir uma agenda que eleve os investimentos privados e sobretudo públicos no Brasil, para assim formar um multiplicador positivo de geração de renda que aumente as vendas do empresariado, gerando mais empregos – que por sua vez, resultem em mais consumo, acarretando aumento das vendas, mais contratações e crescimento, assim sucessivamente.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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