Este texto é dedicado a todos que sonham e fazem de seus sonhos realidade e está temperado com a conjuntura econômica da época a que remete. Aliás, sempre me questionam sobre os motivos por ter escolhido fazer graduação em Ciências Econômicas. Explico: foi uma mistura de um senso de curiosidade para entender o mundo em que vivemos pelo prisma econômico e o sutil sonho que um dia tive de ser político.
Contudo, aqui neste texto o objetivo é descrever as dificuldades que um adolescente brasileiro tinha nos anos de 1980 para juntar dinheiro, em especial tendo como objetivo a compra de uma bicicleta. Aliás, comprar qualquer bem naquele período era uma tremenda aventura e uma ação espinhosa. Isso se explica por um fator econômico: as altas taxas de inflação que vivemos no Brasil até o Plano Real. Chegamos a ter picos de hiperinflação de 2.477% ao ano.
Mas, voltemos ao sonho da bicicleta nova. Como já escrevi em um outro texto, existia uma divisão no mundo das “magrelas”. A criança começava a pedalar na Caloi Berlineta, depois crescia e ia para a Monark Monareta, ou a BMX, ou então para a Caloicross. Já as meninas adoravam a Caloi Cecizinha. Quando ficavam grandinhos, adolescentes queriam as bicicletas maiores, das quais havia vários modelos no mercado: Monark Barraforte, Caloi Barra Circular e as mountain bikes. Para os que gostavam de corrida, tinha a Caloi 10 e, claro, para as meninas, a Caloi Ceci.
Não fugindo à regra, eu estava interessado em uma bicicleta maior. Passando pela avenida mais movimentada de Jales, havia uma loja de eletrodomésticos bem ao lado da catedral e logo vi uma Caloi Cruiser vermelha com as escritas em amarelo. Gostei muito da “visão” e passei a sonhar com a compra de uma magrela. Isso devia ser lá pelos anos de 1984 e 1985, quando os índices de inflação superaram 210% e 240% respectivamente.
Mais de 30 anos se passaram, e a maioria dos brasileiros não tem ideia da dificuldade que era correr atrás da inflação. E é justamente nesse pano de fundo que essa passagem de vida está ambientada. Agora imagine um adolescente sonhador tentando juntar dinheiro para comprar uma bicicleta...
Dito isso, a corrida contra a inflação teve seu início. Ia até a loja, via o preço da bike e, como não conhecia a “Fada do Dinheiro” e nem só de sonhos vivia um adolescente, voltava para a casa e, nas horas vagas, começava a executar atividades que me garantissem uma graninha.
Morava em um sítio próximo à cidade e, lá, meu pai plantava café. Eu tinha uma tia que gostava de “café fresco” recém-torrado e moído e, dessa forma, lá ia eu preparar o café para ela. Muito gentil de minha parte? Não; ela me pagava por isso. Sei que executei várias atividades que rendiam uma graninha, mas a inflação sempre era mais rápida e forte que eu. Juntava a grana e, tristemente quando chegava à loja, via que o preço já era outro, muito maior. Não conseguia entender o motivo da subida de preços. Ouvia os adultos reclamarem a todo momento e via as máquinas remarcadoras de preços trabalhando a todo vapor nos mercados da cidade.
Sabia, pela boca dos outros e pela televisão, que a inflação era uma ameaça e, portanto, era necessário proteger-se dela. O bê-á-bá da corrida da inflação era que todo cruzeiro que se ganhasse deveria ser depositado no banco. E assim fiz. Tudo foi para a caderneta da poupança no Banco Comind. Que loucura era isso!
Num belo dia, em um campo de futebol de várzea vizinho a minha casa, ouvi um conhecido dizer que estava catando mamona para vender e que estava dando grana. Achei interessante até mesmo porque havia visto uma matéria no Globo Rural sobre a mamona. Muitos acreditavam que a mamona era uma praga a mais que nascia às margens das estradas rurais, rodovias, terrenos baldios e nos pastos descuidados, porém, aprendi que, dos grãos da mamona, se extraía um óleo de grande valor comercial, usado em graxas, lubrificantes, vernizes, tintas entre outros produtos.
Fui até a casa desse conhecido saber como era a cultura da mamona, e logo notei que os grãos eram maiores. Ganhei algumas sementes para plantar, e, claro, pensando em fazer minha poupança aumentar, plantei próximo à divisa do sítio, porque assim não atrapalharia a produção de café.
Fui acompanhando o desenvolvimento dos pés de mamona e, após alguns meses, iniciei a colheita, secagem e separação dos grãos. Claro que tive a ajuda do meu pai, uma vez que nem tudo um adolescente conseguia fazer no beneficiamento da mamona. O curioso é que, à época, não havia ansiedade e desespero para comprar uma bicicleta. Sabia que tinha que poupar para a compra da danada. E assim foi, até que consegui juntar o valor necessário para a compra da sonhada bicicleta. Poderia divagar muito sobre a situação aqui vivida, poderia até desejar que não tivesse sido assim, mas o que de fato fez a diferença na minha vida não foi a compra da bicicleta em si, mas sim as lições que aprendi, desde sonhar, ter paciência, persistir e até mesmo dar valor ao dinheiro.