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Marçal Rogerio Rizzo: "Meu Lego caseiro"

Economista e professor da UFMS, campus de Três Lagoas

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O Lego é um brinquedo composto por pecinhas para montar várias coisas, desde personagens, super-heróis ou veículos até partes de uma cidade. A empresa que produz o Lego foi fundada na Dinamarca, por Ole Kirk Christansen, em 1932, quando era algo bem rudimentar. Depois de crises e inovações, a empresa reinventou-se, tornando-se uma potência e referência no mundo.

O lado ruim da Lego é que é um brinquedo considerado caro, ainda mais para os padrões de renda do brasileiro. Quando criança, tinha o hábito e a necessidade de produzir meus próprios brinquedos; afinal, não tínhamos condições de comprar. Mesmo os pais que tinham condições só presenteavam os filhos em datas especiais, como aniversário e Natal. As fabricantes mais conhecidas de brinquedos à época, de que me recordo agora, eram a Estrela, a Trol, a Atma, a Balila e a Glasslite. De suas fábricas, saía boa parte do que era comprado pelos pais brasileiros nos anos de 1970 e 1980.

O Lego ainda era pouco difundido no Brasil, e criar e montar os próprios brinquedos era regra, e não exceção.

Mas deixemos a História. A meta, neste texto, são histórias pessoais e, pois, um mergulho no terreno das lembranças de infância...

Mês de maio começava a fazer frio. Minha mãe foi com meu pai à cidade e comprou um cobertor que vinha numa caixa grande. Lembro-me de que a marca era Parahyba e tinha a ilustração de um menininho de pijamas segurando uma vela acesa. Aquela caixa poderia ir parao lixo, mas logo me encarreguei de pegá-la e transformá-la em um depósito de possíveis brinquedos.

Morávamos em um sítio próximo à cidade, e eu utilizava o transporte escolar para ir até a escola. O ponto de ônibus era calçada de uma emissora de rádio AM e ali conseguia peças interessantes para minhas brincadeiras. Claro, coisas que eram descartadas, como pilhas descarregadas e fitas cassete estragadas, por exemplo, que serviam para a montagem de meus brinquedos. Para ampliar possibilidades e melhorar ainda mais o processo de criação e montagem de brinquedos, juntava caixas de fósforos vazias e palitos de sorvete.

Tive uma passagem memorável nessa fase. Um belo dia, consegui tantas pilhas descarregadas que enchi minha mochila escolar, deixando-a muito pesada. Agradeci o funcionário da emissora de rádio e fui feliz para o ponto de ônibus e, dali, pra casa. Chegando, notei que algo estranho havia acontecido com minha mochila. Ela havia descosturado nas alças que colocava nas costas. Tive que falar para minha mãe, que me deu uma bronca, mas à noite costurou e reforçou minha mochila.

Isso que expus até aqui parece resultar em miudezas de um menino que quis brincar com um conjunto de coisas descartadas, mas o resultado foi a criação de vários brinquedos, personagens e cenários. Um dos que mais marcaram minhas lembranças foi usar a caixa de cobertor como uma base interestelar. A ideia era baseada no filme “Guerra nas Estrelas”, que, na década de 1980, fazia sucesso na televisão e cinema. As pilhas eram os soldados e, dependendo do tamanho, representava o poder de cada um. As caixinhas de fósforos eram as naves espaciais, que, com um pouco de cola e palitos de sorvete, ganharam formas e tamanho diferentes. As fitas cassetes também se tornaram espaçonaves potentes.

O que sei é que tudo isso resultou em viagem estelares e lutas do bem contra o mal para proteger a galáxia imaginária. Por vários dias, aquela caixa de cobertor tornou-se minha brinquedoteca particular, onde passava horas me divertindo e pondo minha imaginação para funcionar. Uma digressão importante: meus pais sempre permitiram que eu criasse meus próprios brinquedos e, quando havia dificuldades maiores para a realização de alguma “operação”, eles contribuíam fazendo-a.

A caixa ficava debaixo da minha cama. Ali estava o meu Lego caseiro favorito, que me dava muita alegria. Hoje vejo que as crianças curtem muito o celular. Talvez a razão da imaginação e criatividade estarem com o estoque baixo e cada fez mais fora de uso esteja justamente na falta de estímulo dos próprios pais, que muitas vezes não têm mais tempo para curtir seus filhos. E, assim como os filhos, talvez muitos estejam no WhatsApp, Facebook ou Instagram. Ou, quem sabe, vendo um seriado no Netflix...

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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