Artigos e Opinião

ARTIGO

Maira Caleffli: "A desgastante luta pelo acesso à saúde"

Presidente voluntária da Federação de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama

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O descaso do Estado com as pacientes diagnosticadas com câncer de mama está se mostrando algo tão grave quanto a própria neoplasia. Depois de uma longa luta de anos liderada pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA), em 6 de dezembro de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) a aprovação da incorporação do medicamento pertuzumabe para uso na rede pública de saúde. O pertuzumabe consiste em uma terapia desenvolvida para tratar o subtipo HER2+ do câncer de mama metastático, que é o estágio mais avançado da doença. A sua utilização, associada ao trastuzumabe e docetaxel, proporciona mais benefícios em termos de controle da doença e qualidade de vida em comparação com outras terapias.

De acordo com regras da CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias no SUS), órgão responsável pela avaliação e recomendação de incorporações ao SUS, a União tinha até 180 dias desde a publicação no DOU para distribuir o medicamento para uso em hospitais do SUS. Seis meses de espera para receber tratamento de uma doença avançada já é um prazo bastante perigoso e, no caso do câncer de mama metastático, pode ser fatal. Triste cenário: estamos em abril de 2019, quase um ano após o prazo máximo para sua distribuição, e mulheres nos relatam frequentemente suas dificuldades para ter acesso à medicação, que não está sendo distribuída em lugar algum do país.
Quando o Estado não fornece o medicamento que elas precisam para continuar a viver, as pacientes se veem obrigadas a recorrer à única solução restante: a Justiça. O processo é longo e completamente desgastante – muitas pacientes não sabem sequer por onde começar e buscam apoio em nossas ONGs e seus próprios médicos para entender o motivo da falta de acesso se o tratamento foi aprovado. O caminho em busca de um medicamento tão crucial, que garante qualidade de vida, está sendo tortuoso e difícil, já que a decisão do Ministério da Saúde não está sendo cumprida.

Ter câncer já é uma condição complexa o suficiente, que requer apoio psicológico, familiar e social. Uma mulher com câncer em estágio avançado tem que enfrentar suas próprias batalhas todos os dias - lutar contra o Estado não deveria ser uma delas se a distribuição regular estivesse sendo feita. A judicialização para acesso a medicamentos que têm aprovação em ANS e CONITEC não deveria ser a via de acesso ao tratamento, mas em casos assim é fácil entender o motivo desse recurso ser tão utilizado em nosso país.

O prejuízo das pacientes é obviamente maior e mais grave, pois estamos tratando de vidas que podem ser perdidas ao longo do processo. Fornecer o pertuzumabe por meio de decisão judicial também traz malefícios ao Estado, já que gera gastos muito maiores. A compra do medicamento em lotes, sendo fornecida a todas as pacientes com indicação para seu uso, poderia ser negociada e custar menos.

Levamos ao Ministério Público Federal (MPF) nossos receios acerca da possível falta do medicamento antes mesmo que o prazo de seis meses fosse encerrado. O MPF, por sua vez, questionou o Ministério da Saúde, que nos respondeu apenas em novembro de 2018, afirmando que a distribuição do pertuzumabe seria feita a partir do primeiro trimestre de 2019. Não foi. Este é mais um prazo prometido e descumprido.

Por meio de uma denúncia que fizemos junto à imprensa, o Ministério, pressionado, informou mais uma data: a entrega da primeira parcela de medicamentos ao almoxarifado do MS será feita na segunda quinzena de abril, para ser posteriormente distribuída aos estados. A FEMAMA continuará fazendo tudo o que está ao seu alcance para garantir que este não seja mais um prazo descumprido.

Ainda não sabemos como será o dia de amanhã para essas mulheres. Não há tempo para esperar por mais prazos ou até processos judiciais. É inaceitável tamanho descaso com a vida dessas pacientes, que estão sendo obrigadas a regredir a tratamentos menos eficazes por não conseguirem um medicamento que foi comprovado – até pela CONITEC – mais eficiente e assertivo, o mesmo tratamento que se submeteu por anos por todas as burocracias impostas pelo sistema para sua aprovação. O pertuzumabe já demorou tempo demais para ser incorporado ao SUS, o que mais falta para conceder às pacientes uma chance de salvarem suas vidas?

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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