Anos atrás, como sócio, frequentava com a família um clube tradicional da cidade. Se quiséssemos sentar junto à piscina, éramos obrigados a madrugar, pois os equipamentos e lazer já estavam reservados aos “cupinchas” do diretor, quando não para ele e sua família. Jogar bola, nem pensar, as equipes já se apresentavam formadas para as partidas nos melhores horários ou ao raiar o dia. A sauna era propriedade dos frequentadores contumazes e a cerveja gelada com os pastéis já tinham seus destinos. Não éramos os donos, e assim abandonamos nosso título e seus direitos.
Nas praias, territórios “livres”, quando muito frequentadas nos exige que definamos limites com toalhas, cadeiras e barracas nos vazios existentes e definidos pelos banhistas vizinhos. Os ambulantes têm esquemas e permissões para exploração comercial exclusiva, que os diferenciam e os tornam únicos com circulação autorizada.
Nas comunidades, as milícias se contrapõem aos traficantes e a polícia em oposição a ambos se digladiam para dominar o território de interesse e necessário à sobrevivência, ou para cumprir os deveres de “zelar” pelos moradores. Não importa “os incomodados que se mudem”, o que leva os residentes a abandonarem suas moradias evitando uma bala perdida.
As praças, os passeios públicos, as calçadas, os parques, espaços colocados a disposição dos munícipes, necessários a socialização e convivência, são utilizados por marginais, usuários de drogas, xucros, inconvenientes, meretrizes e marafonas, ou então pela exploração do comercio, com suas cadeiras e mesas, estacionamentos privativos de clientes, ou barracas e carrinhos na disputa dos pontos. A população que “pegue seu banquinho e saia de fininho”.
Da mesma maneira, manifestantes, grevistas, reivindicando direitos formam grupos coesos que permitem o enfrentamento com os policiais, cada qual justificando suas ações defendendo seu pedaço de chão como se donos temporários fossem. Por meio das grilagens (documentos forjados) ou invasões, os posseiros ocupam terras alheias e nelas se instalam, fazem benfeitorias para justificarem suas ocupações irregulares.
As pessoas se aglutinam em torno de interesses comuns formando grupos com características hegemônicas, ocupando os espaços que lhes convêm, defendendo regras de proteção instituídas para a manutenção, exploração, uso fruto das fronteiras que pretendem atuar. Os grupos políticos assim o fazem independente das crenças, das ideologias, dos níveis sócio-econômicos de modo a difundir suas idéias para a sociedade.
O cenário político bem define os grupos hegemônicos. As classes dominantes tem se utilizado das instituições públicas, das relações promíscuas de grupos econômicos e da estrutura social ardilosamente arquitetada para a manutenção das posições. Resulta daí ações planejadas, como golpe parlamentar, crise inexistente sustentada, denuncias, interferência de poderes, surgimento de paladinos da justiça, desmonte da máquina administrativa e dos programas sociais, afetando a educação, a saúde, a confiança, a credibilidade, as atividades econômicas, e a empregabilidade.
A descrença é retratada pelo crescimento das religiões, as apreensões provenientes dos meios midiáticos e a desesperança pelos diálogos repetidos de uma população sem expectativas.
Pois bem, a mudança só virá quando a população ocupar o seu espaço de direito. Expulsando os grupos que se arvoram em donos da situação. Chega de encenação estéril de eventos espalhando cruzes em protesto as mortes de inocentes, ou dar abraço comunitário em arvores em apoio ao meio ambiente, dar as mãos em torno de monumentos, clamando justiça, sair às ruas reivindicando medidas contra corrupção, proferir palavras de ordem contra autoridades constituídas.
A mudança só se dará pela política. As armas devem ser as mesmas. A ocupação dos espaços está na tomada dos partidos políticos, pela filiação partidária, na briga pelas idéias, na participação das convenções, na discussão dos programas político partidários, na eliminação dos caciques, escanteando os “fichas-sujas”, na proposição das transformações necessárias ao modo de ser fazer uma nova política, privilegiando o interesse comum, a lisura, a garantia dos direitos, e partindo para disputa equilibrada e leal.
Processo difícil? Sempre será se não tentarmos!