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Leia crônica de Theresa Hilcar: "As coisas inevitáveis"

Leia crônica de Theresa Hilcar: "As coisas inevitáveis"

Redação

05/12/2017 - 08h00
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E assim começa o fim. Primeiro você deixa de ser prioridade. As conversas ficam mais curtas, as ausências mais longas. Vem a nítida sensação, quase uma certeza, de que não é mais imprescindível, que não há mais nada a acrescentar, que sua experiência é um farol voltado para trás. Ou seja, inútil. No início você nega, grita, esperneia.

Depois percebe, ainda que sob profunda desilusão, que não há nada a fazer. Você é impotente diante da realidade.

Aí você começa a se sentir uma carga, espécie de fardo, ainda que sob sutil disfarce. Para quem carrega pode não parecer assim tão pesado, mas com o passar do tempo vêm as mudanças...

As coisas realmente se tornam visíveis – às vezes assustadoras.  Já ouvi frases que nem ouso repetir quando, enfim, o fardo se revela. E diante do inevitável os conselhos vêm aos borbotões e no mesmo tempo verbal: reinventar, mudar, rezar/orar, meditar, aceitar. E sempre, sempre pedir perdão pelos pecados cometidos. Aqueles que você sequer imaginava que estava cometendo.

Ou seja, a vida que você aproveitou ao máximo (seguindo o conselho da época), as coisas boas e divertidas que fez, os pequenos ou grandes excessos, os enganos, tudo que disseram a você tinha preço.

A frase “Aproveita que a vida é curta” é uma tremenda enganação. Mas você acreditou inocente. Acreditou que deveria sorver cada bocadinho de vida, de prazer, cada minuto, como se tudo não fosse acabar um dia. 

E do nada, simplesmente do nada, você descobre que não existe mais nenhuma gota, nem fonte, nem prazer. Era tudo uma ilusão que criaram para você se sentir, digamos, um pouco mais confortável na pele em que habitas. Tudo tinha um preço. Mas não havia etiqueta. Depois chega a fatura e você se pergunta: isto é meu?

Pois é, ninguém lhe disse que você estava acumulando dívidas. E só quando você está a caminho do fim é que descobre a terrível, inexorável verdade: a vida não é de graça. Tudo lhe será cobrado mais adiante.

Absolutamente tudo. Mesmo as coisas que não são suas, mas, por acaso, passaram por você. Não há como fugir. É como os impostos. De um jeito ou de outro você paga. Mesmo não achando justo, paga assim mesmo. E neste caso, sem refis nem moratória.

Pague. E siga em frente – que atrás vem gente. Não existe opção. E só a maturidade nos faz perceber que não podemos mudar os fatos Eu sei, é desalentador. E sem que você se dê conta está rodeada pela angústia.

A solidão será sua companheira fiel. E o que é ainda pior, sem chance de reclamar da dor que pesa no peito. Ninguém mais está interessado na sua dor, nas suas lamúrias, nem nas suas histórias. Você é o passado. Acabou, já era.

Não são apenas as rugas, os fios brancos, a pele flácida, o joelho que dói, a coluna que reclama. Não é nada disto que lhe torna passado. É a invisibilidade que vai tomando conta aos poucos de você. É a certeza de que não faz mais diferença, nem é necessário... Na hora que forem embora as suas utilidades você vai saber o quanto é amado, ou não.

E pode engolir o choro, como nos diziam nossas mães. Pode engolir o medo, a insegurança, o desespero. Engula tudo e se dê por satisfeita pelas mínimas coisas que o universo ainda lhe dá.

O ser humano tem prazo de validade. Mesmo ainda vivo. O consolo, se é que existe, é saber que todos, todos que como você se iludiu com o mundo ao seu redor, também passarão pelo mesmo caminho. A não ser que despertem para o que a vida realmente é. Apenas uma estrada com pedágio. Uma passagem. E uma vez despertos, pela fé, pelo amor ou pela dor, consigam, finalmente entender que tudo passa. Às vezes a ferro.