Artigos e Opinião

crônica

Leia crônica de Maria
Adélia Menegazzo: 'P&B'

Leia crônica de Maria
Adélia Menegazzo: 'P&B'

Redação

23/01/2018 - 07h30
Continue lendo...

No álbum de fotografias, todos sorrimos. Na maioria das vezes, estamos comemorando alguma coisa: Natal, Ano-Novo, Dia de Reis, Páscoa ou aniversários. Ou, ainda, viagens. Meu avô Zé Maria tinha uma câmera Rolleiflex que lhe permitia, inclusive, tomar parte nas fotos em que a família toda estava reunida. As fotografias chegavam pelo correio para alegria, sempre debulhada em lágrimas, de minha mãe.

O formato 6 x 6 cm não impede a nitidez que elas mantêm até hoje. Naquelas em que estou sozinha, ainda pequena, invariavelmente choro. Não sei o que eu poderia pensar sobre o ato fotográfico que me assustava tanto. A última foto deste tipo data de 1971, quando fiz 15 anos.

Estou sentada ao piano, na casa de minha avó, em Araraquara. Uma curiosidade é que meu avô, depois de as fotos prontas, colocava a data com tinta nanquim branca. Guardou em preto e branco a história da família.

A fotografia tem essa capacidade de traduzir ao mesmo tempo o irreversível e o inacabável. Nenhum daqueles momentos volta, muitas daquelas pessoas já se foram, mas enquanto durarem as fotografias e seus negativos, principalmente, podemos ter cópias enquanto durarmos também. Li, em algum lugar, que a fotografia é a arte de acomodar perdas e restos, porque o tempo e o objeto estão perdidos para sempre, mas estão ali em potência.

Uma boa maneira de pensar a fotografia para além da facilidade do visível é ler o romance “Guernica”, da escritora Moema Vilela, campo-grandense, atualmente morando em Porto Alegre.

O livro de apenas 50 páginas é um arraso de sensibilidade e habilidade no trato da palavra. Verdadeiros poemas saltam de cada cena narrada, contando mulheres: “E Maria de repente teve vontade de agradecer àquelas ridículas, inoportunas mulheres da vida dela. Mulheres que estavam ali desde sempre, obrigando Maria a sentir”. E essas mulheres são fotografadas pela narradora quando as descreve, seja Maria, Luiza, a tia ou Yana.

Nem sempre em primeiro plano, as fotografias complementam a narrativa num explícito processo de cocriação. Para facilitar e ampliar as possibilidades de leitura do romance, Moema criou uma versão expandida do livro no seu site moemavilela.com, onde podemos nos defrontar com muitas das suas referências: as fotografias de Adriana Lestido (“Madres y Hijas”; “Mujeres Presas”), de Catherine Leroy e seus paraquedas; a terrificante imagem captada por Kevin Carter, de um abutre atacando uma criança no lixo; alguns fotógrafos desconhecidos, embora suas fotos nem tanto; as receitas das comidas das personagens; as músicas que elas escutam, tirando proveito poético literário desta ferramenta tão fácil em nossos dias.

“O mundo são mundos demais”, conclui a personagem, diante da impossibilidade de dar conta de tudo – como tentar colocar o vento dentro de um envelope? – e de todos que a rodeiam, e que se vão – “Quando acaba a fascinação, também parece fácil sentir saudades, mesmo que pelo resto da vida”. Então, se o momento decisivo já não existe mais, por que continuar a buscá-lo na fotografia?

Por que somos tão fascinados por ela? “Guernica” traz uma boa resposta, deixando muitas outras perguntas. Por que ver o pôr do sol todos dias, se ele é sempre o mesmo?

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

Continue Lendo...

A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).