Artigos e Opinião

CENAS

A+ A-

Leia a crônica de Sylvia Cesco: "De cores e de segredo"

Leia a crônica de Sylvia Cesco: "De cores e de segredo"

Continue lendo...

Fui sempre uma menina do mato, embora criada na cidade.  A natureza me fascina, me provoca e me acalma. Tempos atrás, olhando pela janela de um ônibus a caminho do sul de nosso Estado, comecei a registrar, visualmente, quantas tonalidades de verde havia nas matas que acompanhavam a estrada.

Cheguei à conclusão, de modo amadorístico, que essa cor, entre todas as outras, é a que mais possibilita variações de tons, originados pela quantidade de luz do sol que brilha, charmoso, colorindo o mundo.

Encantam-me, sobremaneira, aqueles catálogos das casas especializadas de tintas, em que o castanho do meu olhar, já recuperado por competente oftalmologista tempos atrás, vagueia por entre cores, tonalidades e matizes... Neles encontro românticos e poéticos nomes, criados talvez por funcionários que souberam conservar, escondido dentro de um monte de máquinas de altas tecnologias, aquele sentimento bom e necessário que não nos deixa perder a humanidade.

Assim nasceram Menta e Mel/ Calda de Hortelã / Chá de Ervas / Água Doce / Capim Santo / Folha de Alecrim / Brisa Fresca /Céu de Outono / Vento do Nordeste / Fundo do Mar/Floresta Viva / Mata Preservada / Alto da Serra / Casa na Árvore / Frescor da Fazenda... Chego até a pensar que tanto Chico Buarque quanto Djavan ainda não se deram conta de que esses nomes dariam ótimas composições musicais, semelhantes às suas “Passaredo” e “Pé de Capim”. 

Dizem que no mundo –vasto mundo – das palhetas e dos pincéis, a cor azul se relaciona a Yves Klein, o amarelo a Vincet Van Gogh, o branco a Piero Manzoni, o preto a Ad Reinhardt, o dourado a James Lee Byers... Mas não estou aqui para repetir o que o Google registra senão para confessar, mais de meio século depois, um dos meus pecaditos infantis – quem não os teve? – e que está relacionado a uma cor. Mea culpa.

Já conto: era mês de maio. Na Igreja Dom Bosco, a imagem de Nossa Senhora esperava, no altar, as oferendas das flores. Em longa fila, nós, crianças da Cruzadinha, aguardávamos para depositar-lhe aos pés as margaridas, as sempre-vivas, samambaias, rosas-chá e dálias colhidas nos quintais de nossa Infância. 

Com uma imensa rosa cor-de-rosa em minhas mãos, eu estava impaciente para entrar triunfante na igreja e caminhar até o altar enfeitado de vaporosos tules e prateadas estrelas de papel. De repente, comecei a olhar aquela rosa. Seu cor-de-rosa explodindo na minha cara, sua corola sorrindo pros meus olhos espantados. Era apenas eu e a rosa. A rosa e eu. 

O “Louvando Maria”, cantado em alto e bom som pelos fiéis, emudeceu. Se, por alguns instantes, o céu baixou naquele ambiente cheirando a forte incenso, dentro de mim – menina de 9 anos – pensamentos demoníacos começaram a borbulhar. Será que a Virgem veria essa rosa cor-de-rosa? Sentir seu cheiro? O que seria da flor quando murchasse? Teria um enterro digno? Ou seria juntada às tantas outras murchas e secas para cair no lixão da cidade? Foram segundos, minutos que duraram uma eternidade... Olhei para a Virgem lá no altar e, mesmo distante, a estátua pareceu-me sorrir um riso de compreensão e cumplicidade... Aquela visão bastou para que eu tomasse minha decisão. 

Saí da fila da Cruzadinha e deitei cabelo até chegar em casa, não muito longe da igreja. Enchi de água uma licoreira bico de jaca, guardei amorosamente a rosa dentro dela, num gesto maternal de quem coloca um filho no berço, e a levei para meu quarto. Por alguns dias, aquela flor iluminou minha criancice. 

A vida passou, muitas foram as vezes em que me ajoelhei diante de um confessionário para contar sobre meus pecados e rezar as penitências ordenadas. Mas o terrível segredo ficou guardado por mais de seis décadas. Revelo-o agora para quem me lê, convicta de que já fui perdoada pela Mãe Santíssima na mesma noite enluarada, de um longínquo mês de maio dos idos 50, em que uma criança travessa e encantada com flores e cores lhe roubou uma rosa cor-de-rosa.

* Professora, poeta, diretora cultural da UBE/MS

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

Continue Lendo...

O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

Assine o Correio do Estado

ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

Continue Lendo...

Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

ASSINE O CORREIO DO ESTADO 

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).