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Jully Heyder: "É tempo de Ordem. Sob pena de não termos Dia do Advogado a comemorar"

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Estamos vivendo uma crise de representatividade sem precedentes. Sucessivas revelações de casos de corrupção e má gestão dos recursos públicos fizeram crescer na sociedade uma intolerância quanto aos políticos e à política em geral, e instalou-se na sociedade uma amarga descrença sobre o real papel das instituições de Estado. Com estas em descrédito, inclusive o Poder Judiciário, a porta fica escancarada ao totalitarismo e aos abusos de toda estirpe contra os direitos dos cidadãos.

A demanda por uma democracia mais aprimorada, com maior transparência, impessoalidade, eficiência, moralidade e ética passa impreterivelmente pela atuação responsável e lúcida da classe advocatícia na mediação destes conflitos.

No mês em que comemoramos o Dia do Advogado, faz-se oportuna uma reflexão acerca do nosso papel enquanto porta-vozes da sociedade em seus momentos mais vulneráveis e, mais ainda, acerca da credibilidade da instituição da qual fazemos parte, a Ordem dos Advogados do Brasil, não apenas em âmbito estadual, mas em nível nacional.

O Estatuto da OAB atribui a ela o dúplice dever de regular a atuação profissional dos advogados, citados na Constituição Federal como indispensáveis à administraçãoda justiça, e a defesa do Estado democrático de Direito, dos direitos humanos e da justiça social. 

Na prática, porém, a Ordem afastou-se do dia a dia do advogado. Digo isso porque não sentimos mais a presença da instituição em nosso cotidiano, a ponto de se propagar entre os advogados a grave indagação: “Para que serve a OAB?”. Isto é grave, pois é reflexo de uma omissão da entidade quanto às questões que realmente interessam à advocacia e à sociedade. E, se a OAB abre mão de seu papel institucional, ela enfraquece e, enfraquecendo, os advogados ficam desamparados contra os arbítrios do poder.

Acredito que isto signifique uma via de mão dupla, ou seja, a Ordem atua em defesa da sociedade e nisto se fortalece para representar adequadamente os advogados e a advocacia. Quanto mais fortalecida a advocacia, mais credibilidade a OAB terá para defender a sociedade, e quanto mais independência tiver para debater suas questões internas, mais envergadura moral terá enquanto instituição.

Infelizmente, o que se nota é que, a cada dia, estamos experimentando uma piora nas nossas condições de trabalho e violações das nossas prerrogativas. Não é incomum que advogados passem de defensores à condição de réus. Ou por portaria, sejam impedidos de entrevistar seus clientes presos. Multiplicam-se os grampos a advogados e muitos são os mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia, violando-se por completo o necessário sigilo entre cliente e advogado. É preciso reagir, e esta reação deve ser por meio da OAB, que precisa se aprimorar na defesa das prerrogativas de seus inscritos. A advocacia tem que saber dos passos que serão tomados e ter esse controle de agenda da instituição, para que se sinta responsável e incluída nas grandes causas que ela defende.

Mas, antes disso, a Ordem tem obrigação de fornecer ao debate nacional uma proposta de aprimoramento das nossas instituições, especialmente, do Poder Judiciário, que é um ponto que nos afeta diretamente.
O primeiro é o chamado ativismo judicial, um problema cujo epicentro é o próprio Supremo Tribunal Federal. É preciso que a OAB, com outras instituições, pondere seriamente sobre os limites da Jurisdição, coibindo a possibilidade de que ministros decidam, por vezes, monocraticamente, contra a própria constituição ou concedam liminares provisórias com grande impacto na sociedade. Também é necessário recobrar a perspectiva da prestação jurisdicional sob o ponto de vista do direito de defesa do cidadão, pois não há justiça sem o apropriado processo legal.

O segundo aspecto diz respeito ao funcionamento da justiça. Em nosso Estado, o problema da morosidade é grave, todavia, os fóruns funcionam apenas em meio expediente e existe um deficit enorme no quadro da magistratura, ou seja, 80 cargos vagos de um total de 294. É muita coisa. Ao mesmo tempo, o CNJ divulgou recentemente os números referentes aos gastos dos tribunais com a magistratura, e o TJMS é o campeão, com uma média de gasto de R$ 95 mil por magistrado.

Estes são apenas alguns exemplos, e o trabalho pela valorização da classe de nada adianta se fizermos de conta que estamos dissociados destas questões e nos abstivermos de debatê-las sem medo ou falsas promessas.

Para que a Ordem tenha condições de cumprir todas estas demandas que lhe são impostas, precisamos arrumar a casa. Urge fazer nossa instituição mais transparente e democrática e propor um debate mais profundo do que medidas paliativas.  Esta é uma bandeira que temos de defender veementemente, sob pena de, em pouco tempo, não termos motivos para comemorar o Dia do Advogado, mas, mais grave do que isso, que fique mais distante ainda o ideal de uma sociedade mais justa e igualitária.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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