Estamos vivendo uma crise de representatividade sem precedentes. Sucessivas revelações de casos de corrupção e má gestão dos recursos públicos fizeram crescer na sociedade uma intolerância quanto aos políticos e à política em geral, e instalou-se na sociedade uma amarga descrença sobre o real papel das instituições de Estado. Com estas em descrédito, inclusive o Poder Judiciário, a porta fica escancarada ao totalitarismo e aos abusos de toda estirpe contra os direitos dos cidadãos.
A demanda por uma democracia mais aprimorada, com maior transparência, impessoalidade, eficiência, moralidade e ética passa impreterivelmente pela atuação responsável e lúcida da classe advocatícia na mediação destes conflitos.
No mês em que comemoramos o Dia do Advogado, faz-se oportuna uma reflexão acerca do nosso papel enquanto porta-vozes da sociedade em seus momentos mais vulneráveis e, mais ainda, acerca da credibilidade da instituição da qual fazemos parte, a Ordem dos Advogados do Brasil, não apenas em âmbito estadual, mas em nível nacional.
O Estatuto da OAB atribui a ela o dúplice dever de regular a atuação profissional dos advogados, citados na Constituição Federal como indispensáveis à administraçãoda justiça, e a defesa do Estado democrático de Direito, dos direitos humanos e da justiça social.
Na prática, porém, a Ordem afastou-se do dia a dia do advogado. Digo isso porque não sentimos mais a presença da instituição em nosso cotidiano, a ponto de se propagar entre os advogados a grave indagação: “Para que serve a OAB?”. Isto é grave, pois é reflexo de uma omissão da entidade quanto às questões que realmente interessam à advocacia e à sociedade. E, se a OAB abre mão de seu papel institucional, ela enfraquece e, enfraquecendo, os advogados ficam desamparados contra os arbítrios do poder.
Acredito que isto signifique uma via de mão dupla, ou seja, a Ordem atua em defesa da sociedade e nisto se fortalece para representar adequadamente os advogados e a advocacia. Quanto mais fortalecida a advocacia, mais credibilidade a OAB terá para defender a sociedade, e quanto mais independência tiver para debater suas questões internas, mais envergadura moral terá enquanto instituição.
Infelizmente, o que se nota é que, a cada dia, estamos experimentando uma piora nas nossas condições de trabalho e violações das nossas prerrogativas. Não é incomum que advogados passem de defensores à condição de réus. Ou por portaria, sejam impedidos de entrevistar seus clientes presos. Multiplicam-se os grampos a advogados e muitos são os mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia, violando-se por completo o necessário sigilo entre cliente e advogado. É preciso reagir, e esta reação deve ser por meio da OAB, que precisa se aprimorar na defesa das prerrogativas de seus inscritos. A advocacia tem que saber dos passos que serão tomados e ter esse controle de agenda da instituição, para que se sinta responsável e incluída nas grandes causas que ela defende.
Mas, antes disso, a Ordem tem obrigação de fornecer ao debate nacional uma proposta de aprimoramento das nossas instituições, especialmente, do Poder Judiciário, que é um ponto que nos afeta diretamente.
O primeiro é o chamado ativismo judicial, um problema cujo epicentro é o próprio Supremo Tribunal Federal. É preciso que a OAB, com outras instituições, pondere seriamente sobre os limites da Jurisdição, coibindo a possibilidade de que ministros decidam, por vezes, monocraticamente, contra a própria constituição ou concedam liminares provisórias com grande impacto na sociedade. Também é necessário recobrar a perspectiva da prestação jurisdicional sob o ponto de vista do direito de defesa do cidadão, pois não há justiça sem o apropriado processo legal.
O segundo aspecto diz respeito ao funcionamento da justiça. Em nosso Estado, o problema da morosidade é grave, todavia, os fóruns funcionam apenas em meio expediente e existe um deficit enorme no quadro da magistratura, ou seja, 80 cargos vagos de um total de 294. É muita coisa. Ao mesmo tempo, o CNJ divulgou recentemente os números referentes aos gastos dos tribunais com a magistratura, e o TJMS é o campeão, com uma média de gasto de R$ 95 mil por magistrado.
Estes são apenas alguns exemplos, e o trabalho pela valorização da classe de nada adianta se fizermos de conta que estamos dissociados destas questões e nos abstivermos de debatê-las sem medo ou falsas promessas.
Para que a Ordem tenha condições de cumprir todas estas demandas que lhe são impostas, precisamos arrumar a casa. Urge fazer nossa instituição mais transparente e democrática e propor um debate mais profundo do que medidas paliativas. Esta é uma bandeira que temos de defender veementemente, sob pena de, em pouco tempo, não termos motivos para comemorar o Dia do Advogado, mas, mais grave do que isso, que fique mais distante ainda o ideal de uma sociedade mais justa e igualitária.