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José Neres: "Em tempo de vozes esganiçadas"

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Houve um tempo em que para alguém ser considerado cantor ou cantora era essencial que essa pessoa tivesse uma voz, que, embora nem sempre fosse extremamente bela, combinasse afinação, harmonia e ritmo em dose certa, sabendo mesclar os altos e baixos melódicos sem exageros e sem deixar o ouvinte com a sensação de que seus tímpanos iriam explodir na próxima combinação de acordes. Naquela época, o público se apaixonava pela voz de seus ídolos e raramente tinha a oportunidade de conhecê-los fisicamente. O máximo a que poderia aspirar era ver o cantor, cantora ou grupo de sua preferência na capa do disco ou nas páginas de alguma revista.

Contudo havia também artistas talentosos que, conhecedores de seus dotes vocais, encantavam os ouvintes com a extrema capacidade de modular a voz e alcançar timbres inimagináveis para a maioria dos seres humanos comuns. Paralelamente a isso, também existiam aqueles casos em que, mesmo sem ter uma estarrecedora capacidade vocal, os cantores apostavam em um repertório que primava pelas soluções poéticas, dando vida às composições elaboradas com todo cuidado por compositores que dominavam a arte de transformar o cotidiano aparentemente sáfaro em preciosidades musicais que se eternizavam na memória de pessoas que nem sempre tinham acesso a sofisticados aparelhos de reprodução sonora.

Essas parcerias entre vozes perfeitas (ou quase perfeitas) e letras bem elaboradas renderam momentos ímpares na história da música de qualquer nação. Alguns compositores foram justamente alçados à condição de escultores de palavras, e muitos intérpretes embalaram gerações e mais gerações, transformando suas vozes e suas interpretações em símbolos de épocas que se eternizam com a sensação de novidade e de renovação.

No entanto, nas últimas décadas, para ser cantor ou cantora, ninguém mais precisa ter apurada técnica vocal, conhecer os rudimentos de canto ou, pelo menos, se debruçar sobre os grandes clássicos da música popular ou erudita. Alguns confundiram a arte de exprimir-se por meio da música com o desastre de espremer-se durante a música. O acesso a equipamentos que permitem a manipulação das vozes fez com que técnicos, cada vez mais competentes, conseguissem transformar notas destoantes em sucessos tão imediatos quanto efêmeros. A exposição constante nas diversas mídias conseguiu o feito de transformar em fenômenos musicais pessoas com pouco ou nenhum talento vocal, mas com boa aparência, físico privilegiado e empresários ávidos por mais sucesso.

 Da mesma forma com que saber cantar deixou de ser uma condição indispensável para transformar alguém em cantor, a tessitura artística das letras das músicas também passou a ser algo supérfluo, em alguns casos até mesmo um obstáculo para os postulantes ao cargo de ídolo musical da próxima temporada. Basta combinar palavras de ordem, de preferência com duplo ou triplo sentido, criar uma sequên­cia que sirva como coreografia ou repetir insistentemente sons que combinem com os arranjos previamente elaborados para que esses autodeclarados compositores consigam emplacar mais um sucesso, que será esquecido tão logo outra composição mais pegajosa apareça no mercado.

Com uma agenda sempre lotada, ingressos esgotados e uma multidão de fãs, tais cantores, durantes os shows ao vivo, nem mesmo precisam saber cantar as próprias músicas. Basta entoar as primeiras palavras, levantar o microfone e ouvir o público anestesiado cantando as canções, às vezes, até de modo melhor do que o original. Com os braços erguidos, lágrimas escorrendo pelas faces e com a coreografia devidamente decorada, o público vai à loucura. Nem mesmo dá tempo de perceber que os ídolos, nos raros momentos em que decidem cantar, desafinam, atravessam e saem do tom, tendoinclusive muitas vezes que ler as cinco ou seis palavras que formam a graciosa letra da música.

Mas isso não interessa, pois, para quem pouco sabe de harmonia, o importante é que também exista uma época em que berros, gritos, gemidos, grunhidos e vozes descompassadas sejam confundidas com música.

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Tarifa social é tendência global

10/04/2024 07h30

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À medida que avançamos em 2024, é notável o aumento no número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa social no transporte público. Este movimento marca um avanço significativo na busca por uma mobilidade urbana mais inclusiva.

Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que o país tem 103 municípios, distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal, que aderiram à prática, seja de forma universal (sete dias por semana), em dias específicos (aos domingos, por exemplo) ou para grupos em particular (como idosos, pessoas com deficiência e estudantes). São Paulo e Minas Gerais lideram a lista, com 29 e 26 municípios, respectivamente.

Vem crescendo o debate e as iniciativas que visam democratizar a mobilidade para o exercício da cidadania e a participação da vida política e cultural da cidade. No Enem 2023, 15 capitais do país ofereceram transporte público gratuito para garantir o acesso de todos os candidatos à prova. No segundo turno das Eleições 2022, 13 estados e o Distrito Federal também deram passe livre para os eleitores. No ano passado, Campinas (SP) deu exemplo no “Dia D” de vacinação de crianças e adolescentes, facilitando o acesso à saúde por meio da tarifa social.

Essas tendências respondem a um desafio crítico de mobilidade urbana, exacerbado pelo crescimento no uso do automóvel privado e pelo subfinanciamento do transporte público, levando a um aumento dos congestionamentos, da poluição e da desigualdade social, como aponta o pesquisador e jornalista pós-graduado pela PUC/SP, Daniel Santini, no livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”.

Só na cidade de São Paulo, o trânsito perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus entre 2013 e 2022. Buscando atrair a população de volta ao transporte coletivo, a prefeitura criou a iniciativa “Domingão Tarifa Zero”, que dá gratuidade às viagens de ônibus aos domingos, no Natal, em 1º de janeiro e no aniversário da cidade (25 de janeiro). Com o slogan “Explore, descubra, viva São Paulo”, o governo espera ampliar o acesso ao lazer e contribuir para a economia do município. No primeiro domingo com isenção de tarifa, o número de passageiros em São Paulo aumentou 35%, de acordo com dados da prefeitura.

Tallinn, capital da Estônia, é um ótimo exemplo de implantação de tarifa social, que varia de preço conforme o tempo que o passageiro pretende usar o transporte e também das atividades que pretende realizar. Com € 2 é possível utilizar o transporte público por uma hora. Pagando € 5,50, esse período aumenta para 24 horas, e por € 30, garante-se 30 dias de transporte. A tarifa mais cara (Tallinn Card, por € 78) inclui 72 horas de transporte e entrada gratuita em todos os museus e pontos turísticos da cidade.

Estudos econômicos sugerem que a tarifa social, quando bem implementada, pode ajudar a equilibrar o sistema de transporte público, ao moderar a demanda e incentivar um uso mais racional do sistema. Além disso, análises de sistemas de transporte em cidades europeias, como Tallinn, revelam que a tarifa social, não apenas aumenta o acesso ao transporte, mas também contribui para uma melhoria geral na qualidade do serviço. Além disso, essa associação benéfica a outros setores da cidade, como as atividades culturais, gera a inclusão tanto de moradores da cidade em ações que talvez não pudessem estar inclusos, como beneficia o turismo local, podendo gerar mais renda para a cidade como um todo — em especial as mais turísticas.

 Lá fora há outras cidades atentas. Chama a atenção o caso dos EUA, que tem uma forte cultura automobilística e onde a posse de um carro está mentalmente associada a progresso, independência e ao “sonho americano”. No país onde o carro próprio é o desejo de todo jovem-adulto, Kansas City (Missouri) é conhecida por ser a primeira cidade a implementar a tarifa zero no transporte público, em 2017. Mostrando que esse é um sistema benéfico para a população, ao longo dos anos, vimos algumas cidades aderirem à ideia, como São Francisco, na Califórnia. Já em 2023, houve um salto: 25 cidades de estados como Washington, Colorado, Ohio, Virgínia, Nova Jersey, Oregon e Carolina do Norte começaram a fazer testes de tarifa zero, incluindo Boston (Massachusetts) e Nova Iorque.

Na China temos a maior experiência de incentivo social já realizada em todo o mundo, em Chengdu, a cidade dos pandas-gigantes, uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes. Em 2012, Chengdu liberou os passageiros do pagamento das viagens de ônibus até as 7 horas da manhã, com o objetivo de diminuir o congestionamento. Hoje, mais de dez anos depois, 116 linhas são gratuitas durante todo o dia e as restantes saem parcialmente gratuitas por meio do bilhete eletrônico.

O Brasil já possui as tecnologias necessárias para uma ampla e bem-sucedida adesão à tarifa social, garantindo transparência e confiabilidade nas operações. A bilhetagem eletrônica oferece um controle preciso sobre o fluxo de passageiros. Aliada a avanços como validadores com biometria facial e telemetria, a bilhetagem eletrônica poderia garantir uma transição suave rumo à maior adoção da tarifa social, com autenticação segura e geração de informações detalhadas para relatórios, evitando erros e fraudes no sistema. Em Florianópolis, por exemplo, a tecnologia por trás do transporte público foi fundamental para a isenção correta da tarifa nos dias determinados pela prefeitura.

Para que o país abrace definitivamente essas ideias, precisamos de um programa nacional de apoio às novas tarifas para garantir a sustentabilidade financeira do sistema. O envolvimento dos governos estaduais e federal é imperativo para fornecer subsídios, evitando prejuízos tanto para os municípios quanto para as empresas e operadoras do setor de transporte público, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.


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Crise na Bolsa de Valores? Um alerta para a economia

10/04/2024 07h30

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À medida em que a economia brasileira enfrenta um período turbulento e os sinais de alerta começam a piscar, a Bolsa de Valores assume um papel crucial na identificação desses sinais.

Recentemente, a fuga de investidores estrangeiros da B3 atingiu seu pior nível desde o início da pandemia, somando-se aos desafios econômicos que o Brasil enfrenta. Esse fenômeno não deve ser encarado como uma mera flutuação do mercado, mas como um indicador sério da necessidade de revisão das políticas econômicas do governo.

No último dia de março, os investidores estrangeiros retiraram um total de R$ 5,547 bilhões da B3, acumulando um resultado negativo de R$ 22,897 bilhões no ano. Essa tendência descendente é um sinal alarmante, refletindo a perda de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Para um país que busca atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico, essa fuga de capital é profundamente preocupante.

Os investidores institucionais e individuais também demonstraram certa cautela em relação ao mercado de ações brasileiro (retirada de R$ 300 milhões). As instituições financeiras também não escaparam desse movimento, retirando R$ 13 milhões da Bolsa de Valores no mesmo período.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise na bolsa é a interferência do governo Lula em empresas estatais e privadas. A instabilidade gerada por essas intervenções afeta negativamente a confiança dos investidores, prejudicando o desempenho do mercado de ações. A Petrobras e a Vale são exemplos claros dessa conduta, com o governo exercendo pressão em suas operações e decisões estratégicas.

Além disso, a Eletrobras encontra-se atualmente no centro das atenções, já que o governo expressa sua intenção de reverter a privatização estabelecida pelo governo anterior. Essa incerteza em relação às políticas governamentais cria um ambiente instável para os negócios, desencorajando potenciais investidores e contribuindo para a saída de capital da Bolsa de Valores.

 É crucial que o governo reavalie sua abordagem em relação às estatais e privadas, adotando uma postura mais transparente e pró-mercado. A estabilidade e a previsibilidade são fundamentais para atrair investimentos e promover o crescimento econômico sustentável. Caso contrário, corremos o risco de ver mais investidores estrangeiros se afastando do mercado brasileiro, agravando ainda mais nossa situação econômica.

 Em tempos de incerteza, é essencial que o governo adote medidas proativas para restaurar a confiança dos investidores e promover um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder oportunidades de investimento e enfrentar consequências econômicas ainda mais severas no futuro.

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