É de praxe, anualmente no mês de dezembro, o presidente da República, privativamente, conceder indulto (indulto natalino) às pessoas condenadas e que se encontram presas, desde que atendidos determinados requisitos (exigências). A previsão legal está na Constitução Federal, no seu art. 84, que assim dispõe: “Compete privativamente ao Presidente da República: XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
A rigor, o indulto natalino trata-se de um autêntico perdão aos condenados por determinados crimes, ensejando a extinção de suas penas. Portanto, um “presente” do chefe do Poder Executivo àqueles que cumpriram parte da condenação. O preso sai do estabelecimento prisional para não voltar, porque extinta está sua pena. Diferente, portanto, do instituto da “saída temporária”.
O decreto concessivo do indulto de dezembro passado provocou imenso debate à época e voltou às páginas da imprensa em face da recente decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que limitou o seu alcance.
Na verdade, o parecer do ministro Barroso foi um desdobramento da decisão da ministra Cármen Lúcia, que, por provocação da Procuradoria-Geral da República, liminarmente, havia suspendido parcialmente os efeitos do aludido decreto presidencial.
Diferentemente dos decretos de indulto dos anos anteriores, que se limitavam a determinados crimes e a determinadas penas e que previam requisitos mais rígidos, o de dezembro último foi extremamente benevolente para com os condenados indistintamente, alcançando até mesmo os envolvidos com a operação Lava Jato, isto é, com corrupção etc. O que resultou na crítica que sua concessão foi mais uma “atrapalhada” do presidente Temer. O que para alguns, foi uma “atrapalhada” pensada!
O ministro Barroso, conquanto tenha remetido o julgamento ao Pleno do STF, em sua decisão, limitou o alcance do decreto apenas para os condenados por crimes cometidos sem grave ameaça ou violência, com duas ressalvas: o cumprimento de ao menos um terço da pena e que a condenação não tenha sido superior a oito anos.
Contudo, a preocupação maior do ministro foi com a extensão do alcance do decreto. A sua aflição, em especial em relação aos chamados “crimes do colarinho branco”, ficou revelada ao afirmar que “O decreto de indulto não pode ser incoerente com os princípios constitucionais nem com a política criminal desenhada pelo legislador. A prerrogativa do presidente da República de perdoar penas não é, e nem poderia ser, um poder ilimitado. Especialmente quando exercida de maneira genérica e não para casos individuais”.
Daí a sua preocupação em estabelecer que a concessão do indulto não pode beneficiar condenados por: peculato, concussão, corrupção passiva e ativa, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes previstos na Lei de Licitações, lavagem de dinheiro, ocultação de bens, crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas, associação criminosa, quem tem multa pendente e quem tem recurso da acusação pendente de análise.
As críticas emanadas do governo federal em relação à decisão do ministro Barroso são as mais diversas. A principal é no sentido de que houve interferência no Poder Executivo, eis que é competência exclusiva do presidente da República decretar o indulto e estabelecer suas condições. Ou seja, um poder decisório ilimitado. Essa é a questão!
Esquece-se, contudo, que em uma democracia, sobretudo em respeito à tripartição de poderes, o âmbito de atuação de cada Poder é limitado. Aliás, a propósito, observou o ex-ministro do STF Ayres Brites que “o indulto natalino, autorizado aos presidentes, não é um cheque em branco. Tem limites e normas implícitas a serem seguidas com base no sistema jurídico do País...”.
Para quem “a corrupção é um crime gravíssimo...” e, consequentemente, não pode ser atingido pelo decreto de indulto natalino.
Enfim, o decreto natalino em discussão está parecendo um jogo de xadrez, cujo objetivo aparente é tirar o rei do centro do tabuleiro e deixá-lo num canto que é mais protegido!