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José Carlos de Oliveira Robaldo: "Considerações sobre o indulto de Natal de Temer"

José Carlos de Oliveira Robaldo é procurador de Justiça aposentado

Redação

19/03/2018 - 02h00
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É de praxe, anualmente no mês de dezembro, o presidente da República, privativamente, conceder indulto (indulto natalino) às pessoas condenadas e que se encontram presas, desde que atendidos determinados requisitos (exigências). A previsão legal está na Constitução Federal, no seu art. 84, que assim dispõe: “Compete privativamente ao Presidente da República: XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.

A rigor, o indulto natalino trata-se de um autêntico perdão aos condenados por determinados crimes, ensejando a extinção de suas penas. Portanto, um “presente” do chefe do Poder Executivo àqueles que cumpriram parte da condenação. O preso sai do estabelecimento prisional para não voltar, porque extinta está sua pena. Diferente, portanto, do instituto da “saída temporária”.

O decreto concessivo do indulto de dezembro passado provocou imenso debate à época e voltou às páginas da imprensa em face da recente decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que limitou o seu alcance. 
Na verdade, o parecer do ministro Barroso foi um desdobramento da decisão da ministra Cármen Lúcia, que, por provocação da Procuradoria-Geral da República, liminarmente, havia suspendido parcialmente os efeitos do aludido decreto presidencial.

Diferentemente dos decretos de indulto dos anos anteriores, que se limitavam a determinados crimes e a determinadas penas e que previam requisitos mais rígidos, o de dezembro último foi extremamente benevolente para com os condenados indistintamente, alcançando até mesmo os envolvidos com a operação Lava Jato, isto é, com corrupção etc. O que resultou na crítica que sua concessão foi mais uma “atrapalhada” do presidente Temer. O que para alguns, foi uma “atrapalhada” pensada!

O ministro Barroso, conquanto tenha remetido o julgamento ao Pleno do STF, em sua decisão, limitou o alcance do decreto apenas para os condenados por crimes cometidos sem grave ameaça ou violência, com duas ressalvas: o cumprimento de ao menos um terço da pena e que a condenação não tenha sido superior a oito anos.

Contudo, a preocupação maior do ministro foi com a extensão do alcance do decreto. A sua aflição, em especial em relação aos chamados “crimes do colarinho branco”, ficou revelada ao afirmar que “O decreto de indulto não pode ser incoerente com os princípios constitucionais nem com a política criminal desenhada pelo legislador. A prerrogativa do presidente da República de perdoar penas não é, e nem poderia ser, um poder ilimitado. Especialmente quando exercida de maneira genérica e não para casos individuais”.

Daí a sua preocupação em  estabelecer que a concessão do indulto não pode beneficiar condenados por: peculato, concussão, corrupção passiva e ativa, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes previstos na Lei de Licitações, lavagem de dinheiro, ocultação de bens, crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas, associação criminosa,  quem tem multa pendente e quem tem recurso da acusação pendente de análise.

As críticas emanadas do governo federal em relação à decisão do ministro Barroso são as mais diversas. A principal é no sentido de que houve interferência no Poder Executivo, eis que é competência exclusiva do presidente da República decretar o indulto e estabelecer suas condições. Ou seja, um poder decisório ilimitado. Essa é a questão! 

Esquece-se, contudo, que em uma democracia, sobretudo em respeito à tripartição de poderes, o âmbito de atuação de cada Poder é limitado. Aliás, a propósito, observou o ex-ministro do STF Ayres Brites​ que “o indulto natalino, autorizado aos presidentes, não é um cheque em branco. Tem limites e normas implícitas a serem seguidas com base no sistema jurídico do País...”.

Para quem “a corrupção é um crime gravíssimo...” e, consequentemente, não pode ser atingido pelo decreto de indulto natalino.

Enfim, o decreto natalino em discussão está parecendo um jogo de xadrez, cujo objetivo aparente é tirar o rei do centro do tabuleiro e deixá-lo num canto que é mais protegido!

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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