O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela lei 8.078/1990, adota um sistema de cláusulas abertas, em que preponderam os princípios, ou seja, é uma norma principiológica.
É importante destacar que os princípios que norteiam a Política Nacional das Relações de Consumo visam atender às necessidades dos consumidores, levando-se em consideração sua dignidade, saúde e segurança, bem como a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, transparência e harmonia nas relações entre eles e seus fornecedores de produtos ou serviços.
É notório a desigualdade das partes em relação ao conhecimento amplo sobre todos os produtos e serviços colocados no mercado, sendo considerado o consumidor como a parte mais frágil da relação jurídica de consumo.
Por isso, o Código instituiu princípios altamente protetivos, como é o caso do princípio do protecionismo, da vulnerabilidade e o da hipossuficiência do consumidor, com o intuito de equilibrar as relações entre consumidor e fornecedor/prestador de produtos ou serviços.
Cumpre esclarecer que a Lei Consumerista não só protege o consumidor contra várias práticas abusivas, como também procura conscientizar os fornecedores/prestadores quanto aos seus deveres.
Logo, o princípio da boa-fé objetiva exige uma conduta de lealdade, respeito e colaboração entre as partes no contrato de consumo, devendo aquele que atua com má-fé ser penalizado.
Um exemplo disso é o caso da cobrança de quantia indevida por parte do fornecedor. De acordo com o art. 42, parágrafo único do CDC, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Conforme dispõe o texto do Diploma Consumerista, não é alguma cobrança indevida que dará direito à restituição em dobro. Além da cobrança, é necessário que haja o pagamento do valor indevidamente cobrado.
Um dos principais exemplos de repetição de indébito em dobro é a cobrança e pagamento indevido de tarifa de água, esgoto, energia ou telefonia, quando o serviço não é efetivamente prestado.
É importante ressaltar que a cobrança pode se dar em virtude de abusividade contratual, como também pode derivar de previsão contratual não abusiva, mas que se torna indevida em razão de o consumidor já ter quitado aquela parcela ou por erro na apuração da prestação cobrada, muito comum em serviços bancários.
Todavia, há uma ressalva para esta regra do artigo 42, que é o caso do engano justificável.
Mas o que seria um engano justificável?
O engano, na cobrança indevida, só é justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa (imprudência, negligência ou imperícia) na conduta do fornecedor do serviço.
Entretanto, há uma grande polêmica sobre a necessidade do consumidor precisar provar em juízo a culpa ou o dolo do credor, havendo grande divergência jurisprudencial sobre o assunto.
Uma parte entende que há a necessidade de comprovação da má-fé para que haja a sanção civil. Enquanto a outra parte entende que independe dessa comprovação, pois o fornecedor assume o risco da atividade econômica, devendo prestar um serviço de qualidade.
Diante de todos os argumentos expostos, não restam dúvidas que o CDC visa proteger o consumidor em todas as situações, ou seja, precisar comprovar o dolo ou a culpa do fornecedor vai na contramão das premissas consagradas no diploma consumerista, devendo ser adotada a teoria mais benéfica ao consumidor.