Não pretendo destrinchar, neste momento, textos jurídicos acerca do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois seria uma atitude contraproducente, na medida em que essa missão tem sido cumprida por juristas, advogados, magistrados, promotores de justiça, defensores públicos etc. Congressos, ensaios, livros, artigos em jornais e revistas especializadas já são elaborados, às escâncaras, por renomados autores, procurando dar os contornos talvez definitivos da lei.
Assacar, novamente, ao leitor, esses e outros excertos técnicos dos direitos dos consumidores seria redundante, por isso, gostaria somente de tecer considerações práticas desse notável código de princípios e regras jurídicas, o CDC. É que, conforme dizia o eminente autor italiano Santi Romano (1918): “o jurista não deve subordinar a realidade ao conceito, mas sim o conceito à realidade”.
A princípio, a aplicação concreta do CDC esbarrou no sentimento tradicional individualista do brasileiro; datado de 1990, há poucos anos da implantação do regime democrático de Direito (com a promulgação da Constituição Federal de 1988), o CDC claudicou no âmbito da sociedade e dos órgãos da Justiça. Faltava-lhes o “sentimento social”, aquele sentido da busca do interesse da sociedade; essa ausência de sintonia ao bem-estar geral atrasou o desenvolvimento acurado e prático do CDC.
Contudo, ao contrário do que pode parecer, isso não é novidade no direito brasileiro; a Lei de Ação Civil Pública, de 1985, portanto anterior à Constituição democrática, que é de 1988, e também a Lei de Proteção aos Deficientes Físicos, de 1989, só para mencionar duas delas, demoraram a ajustar-se à realidade nacional; passaram anos no limbo, à espera de algum herói e benfeitor isolado do território brasileiro, que tivesse a firme convicção de atuar em prol dos valores que essas legislações protegem: a sociedade.
De todo modo, com o decorrer dos anos, houve o recrudescimento da aplicação dessas legislações (cada qual com suas nuances e seus limites), por conta da melhor interpretação de suas normas, da evolução cultural da sociedade e, sobretudo, de um suposto aparelhamento estatal, especificamente dos órgãos do Executivo. Além disso, o aprimoramento das medidas tomadas pelos Ministérios Públicos e as correspondentes decisões dos magistrados, que as acolheram, vieram a firmar a efetividade dessas legislações.
De outro lado, o CDC, além de não ser conhecido pela maior parte da população brasileira – o que, por si só, já o descaracteriza como instrumento de proteção popular –, não tem mais o brilho insinuado do momento da sua edição, pois transformou-se, em inúmeras situações concretas, em “letra morta”. Isso porque, no Brasil, não há estrutura suficiente dos órgãos públicos para fiscalizar e punir – com seriedade, após a defesa e o contraditório – a prática de atos ilícitos, entre os quais, propagandas abusivas, enganosas, marcação de pesos e medidas, preços equivocados nas mercadorias, produtos com defeitos, estragados etc.
É bem verdade, no âmbito judicial, que decisões dos magistrados têm prestigiado e interpretado, adequadamente, as normas do CDC. As súmulas (decisões reiteradas) do Superior Tribunal de Justiça, seguidas pelos demais membros do Judiciário, constituem exemplos. Nos foros, estaduais e federal, veem-se e perfilham-se discussões técnicas, para a boa aplicação da lei; na academia, nos eventos, congressos e reuniões, os temas referentes ao consumidor são debatidos com afinco e dedicação.
Mesmo assim, insisto, no dia a dia, na vida do cidadão brasileiro, portanto, fora das lides forenses, pouco se alcançou, de forma efetiva, a respeito da proteção dos direitos dos consumidores.
Os consumidores não se sentem encorajados para reclamar seus direitos, perante os órgãos oficiais encarregados de protegê-los. Eles simplesmente não acreditam que algo possa ser feito – seria, por assim dizer, uma perda de tempo! Sabem que nada adiantará; e, se o fizerem, descobrirão a ineficiência do aparelho estatal – falta de fiscais, de veículos, de aparelhos apropriados etc. Desanimador, de fato!
Logo, enquanto a aplicação do CDC no Judiciário já é realidade, por conta das ações propostas por advogados e defensores públicos (aos pobres); na vida diária do cidadão, ao contrário, parece que o Código é fictício, surreal, possivelmente em razão da inação dos órgãos estatais, que não detêm estrutura adequada e suficiente, a fim de cumprir a tarefa de bem servir os direitos dos consumidores brasileiros. Assim, é preciso aparelhar a administração pública dos instrumentos operacionais de prevenção, fiscalização e punição dos supostos infratores, evitando-se, dessa forma, a pecha de o Código de Defesa do Consumidor ser uma ficção!