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Gilson Cavalcanti Ricci: "Tipos populares de Campo Grande"

Advogado

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Andavam a esmo pelas ruas de Campo Grande. Cada um  carregando na alma o sofrimento estampado nas faces carcomidas pela fome e pelo cansaço. Destaco alguns, cujas tragédias transformaram seus protagonistas em míseros farrapos humanos:

Josetti, o mais famoso, perambulava pelas ruas vestido sempre com dois paletós encardidos, um por cima do outro, três gravatas entrelaçadas no pescoço e vistosos anéis em cada dedo das mãos. Era um tipo taciturno, aparentando uns cinquenta anos de idade. Ficava horas a fio parado sob as marquises, calado friamente. Certa vez, alguém o ouviu dizer que tinha visto Jesus Cristo durante a noite anterior. Segundo comentários, Josetti fora contador do Banco do Brasil numa importante cidade do interior de São Paulo. Era casado com uma bela mulher, pela qual nutria grande paixão. Certo dia, chegando em casa, não a encontrou, deparando-se com uma carta sobre a mesa. Leu a mensagem na qual a mulher se despedia, tomando rumo ignorado. Josetti ficou totalmente desorientado. Procurou-a por todos os cantos da cidade. Comunicou o fato à polícia, ficando à espera de notícias sobre o paradeiro da consorte.

Depois de muito procurá-la, foi informado que ela viajara para o Mato Grosso em companhia de um homem desconhecido. Josetti enlouqueceu. Resolveu procurá-la na região indicada, todavia sem êxito. Depois de muito procurar a mulher amada, chegou a Campo Grande, ficando a perambular esfarrapado pelas ruas, vivendo da caridade das pessoas até quando seu corpo foi achado nos escombros de um prédio abandonado.

Barbosa era garimpeiro. Trabalhou vários anos no garimpo, encontrando finalmente um riquíssimo diamante. Com muita alegria, festejou o rico achado com os colegas até ao amanhecer, quando adormeceu. Ao despertar, teve a infeliz surpresa de lhe terem roubado o valioso tesouro. Procurou-o por todas as partes da corruptela. Pediu ajuda à polícia, todavia infrutiferamente. Não encontrando a pedra preciosa, ficou totalmente desorientado. Chegou a Campo Grande depois de muito perambular por várias cidades de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, sem ter notícias de seu diamante, até que chegou a Campo Grande, onde ficou perambulando a esmo pelas ruas, faminto e maltrapilho, causando piedade às pessoas, que lhe davam comida e roupas usadas. Barbosa passou a ser um tipo estranho. Sempre que alguém jogasse uma bituca de cigarro acesa, corria e a pegava do chão, segurando-a com as mãos para cima com um olho aberto e outro fechado, como se analisasse uma preciosa pepita faiscante. 

Pompílio era um rapaz negro, quieto. Ficava horas a fio sentado num dos bancos da Praça da Liberdade (atual Praça Ari). Fizesse frio ou calor estava sempre encapotado com um capote surrado, doado por alguma alma piedosa. Quando alguém lhe dirigia a palavra, respondia com um sorriso pálido. Diziam que ele fora peão em uma fazenda situada nos arredores de Campo Grande, quando outro peão lhe roubara a mulher, uma bela mulata. Assim como o Josetti, Pompilio procurou a amada durante muito tempo, sem êxito. Veio para Campo Grande, onde ficou perambulando pelas ruas dormindo sob as marquises, e durante o dia inteiro ficava na praça sentado por longo tempo, calado dentro do seu capotão, inerte como uma estátua de pedra.

Caruncho, moço ainda, aparentava uma velhice precoce. Corria dos moleques por onde passava, os quais lhe gritavam o apelido e lhe jogavam pedradas. Caruncho raptara a namorada, e ambos os enamorados fizeram o pacto de morte à moda Romeu e Julieta, como era comum acontecer na época em Campo Grande, diante da reprovação enérgica do pai da moça ao namoro. A namorada não hesitou heroicamente de ingerir o veneno, tendo morte horrenda e instantânea. O rapaz se acovardou, fugindo apavoradamente do local, enquanto a moça se contorcia nos estertores da morte. Caruncho se tornou um mísero farrapo-humano a perambular abestalhado pelas ruas, até quando seu corpo foi encontrado em decomposição dentro de um bueiro.

Vários outros famosos andarilhos povoaram as ruas de Campo Grande, como a famosa Maria Bolacha e ouros, que marcaram a cidade com a cor cinzenta de suas desgraças, despertando a compaixão de quem os visse perambular  na chuva e no frio, ou sob o sol escaldante da terra morena.

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Tarifa social é tendência global

10/04/2024 07h30

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À medida que avançamos em 2024, é notável o aumento no número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa social no transporte público. Este movimento marca um avanço significativo na busca por uma mobilidade urbana mais inclusiva.

Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que o país tem 103 municípios, distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal, que aderiram à prática, seja de forma universal (sete dias por semana), em dias específicos (aos domingos, por exemplo) ou para grupos em particular (como idosos, pessoas com deficiência e estudantes). São Paulo e Minas Gerais lideram a lista, com 29 e 26 municípios, respectivamente.

Vem crescendo o debate e as iniciativas que visam democratizar a mobilidade para o exercício da cidadania e a participação da vida política e cultural da cidade. No Enem 2023, 15 capitais do país ofereceram transporte público gratuito para garantir o acesso de todos os candidatos à prova. No segundo turno das Eleições 2022, 13 estados e o Distrito Federal também deram passe livre para os eleitores. No ano passado, Campinas (SP) deu exemplo no “Dia D” de vacinação de crianças e adolescentes, facilitando o acesso à saúde por meio da tarifa social.

Essas tendências respondem a um desafio crítico de mobilidade urbana, exacerbado pelo crescimento no uso do automóvel privado e pelo subfinanciamento do transporte público, levando a um aumento dos congestionamentos, da poluição e da desigualdade social, como aponta o pesquisador e jornalista pós-graduado pela PUC/SP, Daniel Santini, no livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”.

Só na cidade de São Paulo, o trânsito perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus entre 2013 e 2022. Buscando atrair a população de volta ao transporte coletivo, a prefeitura criou a iniciativa “Domingão Tarifa Zero”, que dá gratuidade às viagens de ônibus aos domingos, no Natal, em 1º de janeiro e no aniversário da cidade (25 de janeiro). Com o slogan “Explore, descubra, viva São Paulo”, o governo espera ampliar o acesso ao lazer e contribuir para a economia do município. No primeiro domingo com isenção de tarifa, o número de passageiros em São Paulo aumentou 35%, de acordo com dados da prefeitura.

Tallinn, capital da Estônia, é um ótimo exemplo de implantação de tarifa social, que varia de preço conforme o tempo que o passageiro pretende usar o transporte e também das atividades que pretende realizar. Com € 2 é possível utilizar o transporte público por uma hora. Pagando € 5,50, esse período aumenta para 24 horas, e por € 30, garante-se 30 dias de transporte. A tarifa mais cara (Tallinn Card, por € 78) inclui 72 horas de transporte e entrada gratuita em todos os museus e pontos turísticos da cidade.

Estudos econômicos sugerem que a tarifa social, quando bem implementada, pode ajudar a equilibrar o sistema de transporte público, ao moderar a demanda e incentivar um uso mais racional do sistema. Além disso, análises de sistemas de transporte em cidades europeias, como Tallinn, revelam que a tarifa social, não apenas aumenta o acesso ao transporte, mas também contribui para uma melhoria geral na qualidade do serviço. Além disso, essa associação benéfica a outros setores da cidade, como as atividades culturais, gera a inclusão tanto de moradores da cidade em ações que talvez não pudessem estar inclusos, como beneficia o turismo local, podendo gerar mais renda para a cidade como um todo — em especial as mais turísticas.

 Lá fora há outras cidades atentas. Chama a atenção o caso dos EUA, que tem uma forte cultura automobilística e onde a posse de um carro está mentalmente associada a progresso, independência e ao “sonho americano”. No país onde o carro próprio é o desejo de todo jovem-adulto, Kansas City (Missouri) é conhecida por ser a primeira cidade a implementar a tarifa zero no transporte público, em 2017. Mostrando que esse é um sistema benéfico para a população, ao longo dos anos, vimos algumas cidades aderirem à ideia, como São Francisco, na Califórnia. Já em 2023, houve um salto: 25 cidades de estados como Washington, Colorado, Ohio, Virgínia, Nova Jersey, Oregon e Carolina do Norte começaram a fazer testes de tarifa zero, incluindo Boston (Massachusetts) e Nova Iorque.

Na China temos a maior experiência de incentivo social já realizada em todo o mundo, em Chengdu, a cidade dos pandas-gigantes, uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes. Em 2012, Chengdu liberou os passageiros do pagamento das viagens de ônibus até as 7 horas da manhã, com o objetivo de diminuir o congestionamento. Hoje, mais de dez anos depois, 116 linhas são gratuitas durante todo o dia e as restantes saem parcialmente gratuitas por meio do bilhete eletrônico.

O Brasil já possui as tecnologias necessárias para uma ampla e bem-sucedida adesão à tarifa social, garantindo transparência e confiabilidade nas operações. A bilhetagem eletrônica oferece um controle preciso sobre o fluxo de passageiros. Aliada a avanços como validadores com biometria facial e telemetria, a bilhetagem eletrônica poderia garantir uma transição suave rumo à maior adoção da tarifa social, com autenticação segura e geração de informações detalhadas para relatórios, evitando erros e fraudes no sistema. Em Florianópolis, por exemplo, a tecnologia por trás do transporte público foi fundamental para a isenção correta da tarifa nos dias determinados pela prefeitura.

Para que o país abrace definitivamente essas ideias, precisamos de um programa nacional de apoio às novas tarifas para garantir a sustentabilidade financeira do sistema. O envolvimento dos governos estaduais e federal é imperativo para fornecer subsídios, evitando prejuízos tanto para os municípios quanto para as empresas e operadoras do setor de transporte público, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.


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Crise na Bolsa de Valores? Um alerta para a economia

10/04/2024 07h30

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À medida em que a economia brasileira enfrenta um período turbulento e os sinais de alerta começam a piscar, a Bolsa de Valores assume um papel crucial na identificação desses sinais.

Recentemente, a fuga de investidores estrangeiros da B3 atingiu seu pior nível desde o início da pandemia, somando-se aos desafios econômicos que o Brasil enfrenta. Esse fenômeno não deve ser encarado como uma mera flutuação do mercado, mas como um indicador sério da necessidade de revisão das políticas econômicas do governo.

No último dia de março, os investidores estrangeiros retiraram um total de R$ 5,547 bilhões da B3, acumulando um resultado negativo de R$ 22,897 bilhões no ano. Essa tendência descendente é um sinal alarmante, refletindo a perda de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Para um país que busca atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico, essa fuga de capital é profundamente preocupante.

Os investidores institucionais e individuais também demonstraram certa cautela em relação ao mercado de ações brasileiro (retirada de R$ 300 milhões). As instituições financeiras também não escaparam desse movimento, retirando R$ 13 milhões da Bolsa de Valores no mesmo período.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise na bolsa é a interferência do governo Lula em empresas estatais e privadas. A instabilidade gerada por essas intervenções afeta negativamente a confiança dos investidores, prejudicando o desempenho do mercado de ações. A Petrobras e a Vale são exemplos claros dessa conduta, com o governo exercendo pressão em suas operações e decisões estratégicas.

Além disso, a Eletrobras encontra-se atualmente no centro das atenções, já que o governo expressa sua intenção de reverter a privatização estabelecida pelo governo anterior. Essa incerteza em relação às políticas governamentais cria um ambiente instável para os negócios, desencorajando potenciais investidores e contribuindo para a saída de capital da Bolsa de Valores.

 É crucial que o governo reavalie sua abordagem em relação às estatais e privadas, adotando uma postura mais transparente e pró-mercado. A estabilidade e a previsibilidade são fundamentais para atrair investimentos e promover o crescimento econômico sustentável. Caso contrário, corremos o risco de ver mais investidores estrangeiros se afastando do mercado brasileiro, agravando ainda mais nossa situação econômica.

 Em tempos de incerteza, é essencial que o governo adote medidas proativas para restaurar a confiança dos investidores e promover um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder oportunidades de investimento e enfrentar consequências econômicas ainda mais severas no futuro.

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