A progressista e movimentada Rua 7 de Setembro, que atravessa o centro da cidade e finda nas imediações do nobre Bairro Jardim dos Estados, teve seu passado marcado por crime e prostituição. Segundo o historiador Paulo Coelho Machado, “Desde o alinhamento das ruas em 1909, recebeu o nome em homenagem à Independência do Brasil. Situava-se ali a gente mais pobre da vila, além de jagunços e pistoleiros”. Com o advento do Estado do Mato Grosso do Sul, Campo Grande viveu radical modificação em seus quadrantes urbanos, tornando-se uma cidade moderna, com aspecto de progressista metrópole. A partir de então, a Rua 7 de Setembro acompanhou a vital revolução urbana da Cidade Morena, surgindo ali um rico centro comercial, com sofisticadas lojas e atraentes magazines, restaurantes finos, supermercados e até um fórum judiciário. Além desses estabelecimentos de primeiro mundo, muitas residências nobres substituíram o casario bizarro das décadas passadas. Como numa mágica de Houdini, a Rua 7 se transformou numa respeitável artéria.
Outro dia, passando pela Rua 7 de Setembro, parei na esquina entre as ruas 14 de Julho e 13 de Maio. O vai-vem dos transeuntes nas calçadas, e o intenso tráfego de veículos no asfalto, detiveram-me à espera do sinal para atravessar. De repente, o semáforo abriu e atravessei às pressas, detendo-me no outro lado da rua. O calor de janeiro fez-me entrar numa lanchonete, onde vários fregueses degustavam guloseimas. Sentei-me numa das mesas e pedi uma cervejinha. Entre uma golada e outra da loirinha gelada surpreendeu-me notar que no local exato onde eu estava havia indícios de ter funcionado ali uma “casa de tolerância” nos tempos idos da Rua 7: uma pintura borrada pelo tempo, preservada na parede, retratava Cristo na Cruz.
Veio-me à mente o cenário das noites de orgia de álcool e mulheres vividas naquele local, animadas pela efervescência do chamamé e dolência da moda de viola. Numa noite de sexta-feira santa ocorreu ali uma tragédia que abalou a cidade, envolvendo uma prostituta. A vítima, uma “rapariga” – alcunha dada pelo povo de Campo Grande às mundanas da 7 - fazia sala em companhia de ouras raparigas. Era uma bela mulher de meia-idade, que caíra na prostituição jovem ainda por ter amado um homem sem escrúpulos, que a abandonara ao engravidá-la. O pai a expulsou de casa, como era costume ocorrer naquele tempo em tal situação familiar. Desamparada e sem nenhum apoio de familiares ou amigos, foi para a Rua 7, onde encontrou refúgio no sórdido comércio do sexo. Tornou-se enrabichada de um perverso rufião, para quem entregava todo o dinheiro ganho com os fregueses. Era um famoso traficante de drogas da fronteira, sicário de um grupo de políticos do governo e matador implacável. Num ataque de fúria, sem motivo que justiçasse a extremada covardia, fuzilou a enrabichada disparando sobre ela toda a carga brutal da escopeta, desfigurando-a barbaramente.
A pobre mulher tinha dois filhos menores: o mais velho, de catorze anos, tido com o covarde namorado que não assumiu o filho; e o mais novo, de doze anos, advindo do relacionamento da mãe com os fregueses da Rua 7. O matador da mãe deles ficou impune, sem que lhe fosse imposto sequer o processo penal. Arrogante e armado até os dentes, era temido pela própria polícia. Cinco meses depois de matar a mãe dos meninos, um deles viu o bandido bebendo no Bar Bom Jardim, na época o melhor lugar da cidade para bebericar e ouvir música ao vivo. O guri avisou o irmão mais velho, e ambos, rápidos como tigres, aproximaram-se do assassino no momento exato em que ele levava o copo à boca e dispararam à queima-roupa toda a munição de seus trabucos, fulminando--o numa poça de sangue e cerveja, a escorrer pelo ralo do esgoto.
Os meninos saíram em disparada pela Rua 14 afora, diante do espanto das pessoas presentes. O ato heroico praticado por eles comoveu a opinião pública, que aplaudiu a bravura dos infantes em desagravo da memória da mãe, covardemente assassinada pelo facínora impune.