Talvez o sentimento humano mais emblemático deste novo milênio. A sensação de pertencimento, vital para haver um equilíbrio psicossocial, se, por um lado, se tornou mais exigente; por outro lado, se vê ameaçado pelo processo de globalização de tudo e de todos.
Inevitável frear a curiosidade humana por novos formatos de vida, individual e coletiva, que, mesmo diante de estranhamento inicial que possa provocar nacionalismos de toda ordem, sonha com uma aldeia global, em que o pessoal receba, equitativamente, o mesmo privilégio do coletivo. E isso tem uma razão, muitas vezes, relacionada às circunstâncias propositalmente impostas pelo cotidiano da sociedade racional, (aqui se refere a um processo no qual um número crescente de ações sociais se baseia em considerações de eficiência teleológica ou de cálculo, em vez de motivações derivadas da moral, da emoção, do costume ou da tradição), a vida se torna refém do caráter coletivo, tão ressaltado na vida contemporânea, sufocando iniciativas de as individualidades respirarem um espaço no mundo massificado e racionalizado. Decorre então que a identidade pessoal fica apenas no projeto de vida iniciado numa adolescência que sonha, mas tão logo ingressa no mercado de trabalho, seu projeto pessoal se coletiviza e seu sonho pessoal é abortado.
Com uma predominância das forças coletivas sobre as decisões pessoais, a crise das identidades individuais soma-se à crise das identidades nacionais. O processo de globalização mostra permeabilidade das fronteiras nacionais, igualmente difusas e confusas ainda. Deslocamento e descentralização constituem o universo do mundo pós-moderno. O mesmo acontece com as identidades pessoais. Para se adaptar à velocidade das mudanças, precisa deslocar e descentrar seus objetivos na mesma intensidade da provisoriedade em que as coisas se encontram. Assim, o individuo é impelido a fazer uso da racionalização e resguardar suas emoções mais pessoais. O resultado pode ser a brutalização do ser humano.
A rejeição está na raiz de inúmeros problemas relacionados ao convívio social. Ela pode ser sentida pelo simples fato de não ser ouvida ou a um abandono físico mesmo. Também pode ser sentida pela imposição de diferenças de ordem religiosa, econômica, de cor ou até mesmo de orientação sexual. Mas é na rejeição afetiva que a dor se manifesta com maior intensidade, variando de raiva descontrolada até o suicídio emocional ou físico. Talvez isso possa explicar as violências gratuitas que se banalizam a cada dia.
A rejeição ganhou força, com o advento da sociedade de massas, forçando as individualidades para sair do anonimato opressivo, a lançar mão de variados papéis sociais nada parecidos com seu eu verdadeiro, só o reencontrado no aconchego da sua intimidade. Talvez porque somente na solidão, cercado de pessoas, possa se livrar da rejeição. O preço a pagar é a desertificação gradual das suas emoções, que dão o colorido especial à vida, sem contar que o meio ambiente está nos rejeitando depois de tanto o rejeitarmos.