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Gilberto Verardo: "Ideologia da saúde"

Psicólogo

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Em nossa sociedade, saúde se transformou num bem vendável. Queremos dizer com isto que hoje temos um complexo de instituições médicas, hospitalares, farmacêuticas e planos de saúde que existem em função da possibilidade de vender saúde sob a forma de produto. Mas para vender é necessário um mercado consumidor. A saúde não é mais uma condição natural do corpo, mas algo que se compra como serviço ou produto. Impõe-se então a necessidade de se definir este bem “saúde” como bem que pode ser produzido como serviço ou produto, pois somente assim ele será comprado. Quanto mais vasto a patologia passível de uma solução empresarial, maior o lucro das empresas. Ao nos defrontarmos com os conceitos saúde e enfermidade, temos a impressão de que na medida em que um se expandia o outro diminuía. No entanto, vemos o inverso: as empresas de saúde crescem na exata medida em que cresce a patologia. Temos, assim, uma ideologia de saúde que quase nada sabe sobre saúde, mas que sabe muito sobre lucro. É esta ideologia da saúde que explica a expansão da medicina curativa e do arsenal farmacológico, e o encolhimento da medicina social e preventiva.

Não cremos que nossos políticos médicos desconheçam esta realidade. Cabe então indagar sobre as razões da crescente insatisfação sobre a responsabilidade politica dos agentes e do Estado sobre seus papéis acerca do aparato publico e privado que envolve a saúde dos cidadãos. Nesta seara, não há seres angelicais. Se os conceitos de saúde e enfermidade não conhecem a diferença entre classes econômicas, por que a prática clinica estabelece uma diferença de atendimento? Na área da saúde mental não é diferente. Devemos acrescentar a isso o marketing bem sucedido que envolve o aspecto da prevenção em saúde, em especial a área da alimentação e das academias, que se deixaram seduzir por essa ideologia da saúde de consumo. Isso nos leva à questão da indução, que no dicionário quer dizer “persuasão, induzimento, instigação, sugestão, ilação”. Estão induzindo doenças sem autorização do nosso sistema imunológico. Será proposital esta impotência diante das queixas crescentes do nosso sistema de saúde? Como mecanismo de controle social, pode até ser, mas como produção de insanidade proposital acerca do nosso aspecto humano, ela nos faz pensar que o começo do fim de um ciclo civilizatório está dando as caras. Pode ser especulação, mas não estamos induzindo um fato.

Há uma última situação que chama nossa atenção nestes dias confusos. Quando os oprimidos, na condição de oprimidos, começam a se sentir fortes e representados, os ideais religiosos baixam dos céus à terra. A combinação do “eu sofro” com o “eu posso” produz uma metamorfose na organização e função dos símbolos. Assim, pensamento e ação se propõem a abolir o real para criar outra realidade. Ajustamento se identifica com idolatria e neurose é elevada à condição de santidade.
Escrúpulo e indignação em boa dose não fazem mal à ética.