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Gaudêncio Torquato: "Má comunicação: um bumerangue"

Professor titular da USP

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A aprovação de um governante tem muito a ver com o sistema de comunicação adotado para veicular seus feitos e modo de agir. Nesse caso, a comunicação incorpora o papel de “poder expressivo”, que detém a condição de convencer audiências sobre as qualidades de uma gestão governamental.  Essa capacidade  carece de alguns pré-requisitos: coerência nas abordagens, foco em prioridades, uso adequado de meios, oportunidade, racionalidade dos processos, eficiência e qualidade dos comunicadores, entre outros.

O governo Bolsonaro vai na contramão desses conceitos. Sua comunicação tem três vértices: o do porta-voz oficial, general Otávio Rêgo Barros, que lê comunicados oficiais e interpreta atos da administração, gestos e atitudes do presidente; o do núcleo da Secretaria de Comunicação, mais afeito ao cotidiano dos programas e operação dos meios e redes tecnológicas; e a modelagem familiar, coordenada pelo filho do presidente, Carlos, com a participação de outro filho, o deputado Eduardo, que usa as redes sociais, e o próprio chefe do Executivo, com mensagens pelo twitter sob o tom incandescente da campanha eleitoral.

Difícil manter coerência e harmonia com a adoção de um modelo que tem múltiplas fontes, cada qual com uma linha própria. O general Barros dá o tom oficial do governo; a Secom (Secretaria de Comunicação) oferece o suporte e massifica os atos governamentais; e o grupo familiar age como guerreiro em campo de batalha, defendendo e atacando adversários. É natural que a comunicação advinda do seio familiar ganhe maior audiência, não só porque as mensagens produzidas adquirem força, causando impacto e polêmica, como pela estratégia, que parece clara, de transformar o pai e os filhos em fonte de matéria prima para os apoiadores do presidente.

Enquanto o general Barros se esforça para aparar arestas, estas são produzidas, aos montões, tanto pelo presidente quanto por seu filho Carlos, que se tornou famoso com a operação midiática nas redes durante a campanha eleitoral. O princípio essencial da comunicação – coerência – é substituído por ruídos, fenômeno indesejável e combatido pelos comunicadores. Quanto mais ruído, mais dispersão, maior distúrbio no processo, maior desarmonia, fatores que acabam minando a credibilidade de uma administração.

As redes sociais se prestam bem às comunicações informais, essa torrente que mistura emoção com “achismos”, bílis com desavenças, tiros recíprocos. Usá-las como principal meio de comunicação é um risco. A esfera privada penetra na esfera pública. E quando os dois territórios se bifurcam, a comunicação acaba sem rumo. Os ruídos corroem sua eficácia, desmanchando os polos de verdade.

Os governos possuem uma identidade, que é a mescla de seus programas, modos de agir, gostos e atitudes de seus membros, a partir do principal, o presidente, etc. Na moldura de conceitos, escolhe alguns conceitos (poucos), para neles focar a administração. A identidade é a coluna vertebral de um governo. Se não for plasmada, o governo se desmonta. Estamos vendo nesse momento questões adjetivas tomarem o lugar de questões substantivas. É o caso da “golden shower” deixando em segundo plano a reforma da Previdência.

Não haverá boa imagem enquanto continuarmos a assistir ao “tiroteio” expressivo. Sob rajadas fortes, do lado da família Bolsonaro, e de lados favoráveis e contrários ao governo, o campo de batalha da campanha eleitoral tende a se recompor. Sinal péssimo. Vai sobrar frustração ao porta-voz da comunicação, general Rêgo Barros; ao Secretário do governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, a quem está subordinada a Secom; e à própria família Bolsonaro, quando perceber que sua batalha comunicativa, eficiente nos tempos de campanha, hoje funciona como arsenal para suprir tanto exércitos leais quanto adversários. Nenhum governo será bem avaliado sob permanente estado de tensão.

Em suma, a comunicação feita nesses moldes tende a se transformar em bumerangue, voltando-se contra quem a dispara. No plano político, o impacto aparece na dispersão da base aliada, que usará o desgaste para expandir seu cacife. O desmonte dos paradigmas do marketing na campanha eleitoral não significa que as técnicas, os métodos e processos tradicionais estejam todos condenados. A conferir.

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Tarifa social é tendência global

10/04/2024 07h30

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À medida que avançamos em 2024, é notável o aumento no número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa social no transporte público. Este movimento marca um avanço significativo na busca por uma mobilidade urbana mais inclusiva.

Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que o país tem 103 municípios, distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal, que aderiram à prática, seja de forma universal (sete dias por semana), em dias específicos (aos domingos, por exemplo) ou para grupos em particular (como idosos, pessoas com deficiência e estudantes). São Paulo e Minas Gerais lideram a lista, com 29 e 26 municípios, respectivamente.

Vem crescendo o debate e as iniciativas que visam democratizar a mobilidade para o exercício da cidadania e a participação da vida política e cultural da cidade. No Enem 2023, 15 capitais do país ofereceram transporte público gratuito para garantir o acesso de todos os candidatos à prova. No segundo turno das Eleições 2022, 13 estados e o Distrito Federal também deram passe livre para os eleitores. No ano passado, Campinas (SP) deu exemplo no “Dia D” de vacinação de crianças e adolescentes, facilitando o acesso à saúde por meio da tarifa social.

Essas tendências respondem a um desafio crítico de mobilidade urbana, exacerbado pelo crescimento no uso do automóvel privado e pelo subfinanciamento do transporte público, levando a um aumento dos congestionamentos, da poluição e da desigualdade social, como aponta o pesquisador e jornalista pós-graduado pela PUC/SP, Daniel Santini, no livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”.

Só na cidade de São Paulo, o trânsito perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus entre 2013 e 2022. Buscando atrair a população de volta ao transporte coletivo, a prefeitura criou a iniciativa “Domingão Tarifa Zero”, que dá gratuidade às viagens de ônibus aos domingos, no Natal, em 1º de janeiro e no aniversário da cidade (25 de janeiro). Com o slogan “Explore, descubra, viva São Paulo”, o governo espera ampliar o acesso ao lazer e contribuir para a economia do município. No primeiro domingo com isenção de tarifa, o número de passageiros em São Paulo aumentou 35%, de acordo com dados da prefeitura.

Tallinn, capital da Estônia, é um ótimo exemplo de implantação de tarifa social, que varia de preço conforme o tempo que o passageiro pretende usar o transporte e também das atividades que pretende realizar. Com € 2 é possível utilizar o transporte público por uma hora. Pagando € 5,50, esse período aumenta para 24 horas, e por € 30, garante-se 30 dias de transporte. A tarifa mais cara (Tallinn Card, por € 78) inclui 72 horas de transporte e entrada gratuita em todos os museus e pontos turísticos da cidade.

Estudos econômicos sugerem que a tarifa social, quando bem implementada, pode ajudar a equilibrar o sistema de transporte público, ao moderar a demanda e incentivar um uso mais racional do sistema. Além disso, análises de sistemas de transporte em cidades europeias, como Tallinn, revelam que a tarifa social, não apenas aumenta o acesso ao transporte, mas também contribui para uma melhoria geral na qualidade do serviço. Além disso, essa associação benéfica a outros setores da cidade, como as atividades culturais, gera a inclusão tanto de moradores da cidade em ações que talvez não pudessem estar inclusos, como beneficia o turismo local, podendo gerar mais renda para a cidade como um todo — em especial as mais turísticas.

 Lá fora há outras cidades atentas. Chama a atenção o caso dos EUA, que tem uma forte cultura automobilística e onde a posse de um carro está mentalmente associada a progresso, independência e ao “sonho americano”. No país onde o carro próprio é o desejo de todo jovem-adulto, Kansas City (Missouri) é conhecida por ser a primeira cidade a implementar a tarifa zero no transporte público, em 2017. Mostrando que esse é um sistema benéfico para a população, ao longo dos anos, vimos algumas cidades aderirem à ideia, como São Francisco, na Califórnia. Já em 2023, houve um salto: 25 cidades de estados como Washington, Colorado, Ohio, Virgínia, Nova Jersey, Oregon e Carolina do Norte começaram a fazer testes de tarifa zero, incluindo Boston (Massachusetts) e Nova Iorque.

Na China temos a maior experiência de incentivo social já realizada em todo o mundo, em Chengdu, a cidade dos pandas-gigantes, uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes. Em 2012, Chengdu liberou os passageiros do pagamento das viagens de ônibus até as 7 horas da manhã, com o objetivo de diminuir o congestionamento. Hoje, mais de dez anos depois, 116 linhas são gratuitas durante todo o dia e as restantes saem parcialmente gratuitas por meio do bilhete eletrônico.

O Brasil já possui as tecnologias necessárias para uma ampla e bem-sucedida adesão à tarifa social, garantindo transparência e confiabilidade nas operações. A bilhetagem eletrônica oferece um controle preciso sobre o fluxo de passageiros. Aliada a avanços como validadores com biometria facial e telemetria, a bilhetagem eletrônica poderia garantir uma transição suave rumo à maior adoção da tarifa social, com autenticação segura e geração de informações detalhadas para relatórios, evitando erros e fraudes no sistema. Em Florianópolis, por exemplo, a tecnologia por trás do transporte público foi fundamental para a isenção correta da tarifa nos dias determinados pela prefeitura.

Para que o país abrace definitivamente essas ideias, precisamos de um programa nacional de apoio às novas tarifas para garantir a sustentabilidade financeira do sistema. O envolvimento dos governos estaduais e federal é imperativo para fornecer subsídios, evitando prejuízos tanto para os municípios quanto para as empresas e operadoras do setor de transporte público, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.


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Crise na Bolsa de Valores? Um alerta para a economia

10/04/2024 07h30

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À medida em que a economia brasileira enfrenta um período turbulento e os sinais de alerta começam a piscar, a Bolsa de Valores assume um papel crucial na identificação desses sinais.

Recentemente, a fuga de investidores estrangeiros da B3 atingiu seu pior nível desde o início da pandemia, somando-se aos desafios econômicos que o Brasil enfrenta. Esse fenômeno não deve ser encarado como uma mera flutuação do mercado, mas como um indicador sério da necessidade de revisão das políticas econômicas do governo.

No último dia de março, os investidores estrangeiros retiraram um total de R$ 5,547 bilhões da B3, acumulando um resultado negativo de R$ 22,897 bilhões no ano. Essa tendência descendente é um sinal alarmante, refletindo a perda de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Para um país que busca atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico, essa fuga de capital é profundamente preocupante.

Os investidores institucionais e individuais também demonstraram certa cautela em relação ao mercado de ações brasileiro (retirada de R$ 300 milhões). As instituições financeiras também não escaparam desse movimento, retirando R$ 13 milhões da Bolsa de Valores no mesmo período.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise na bolsa é a interferência do governo Lula em empresas estatais e privadas. A instabilidade gerada por essas intervenções afeta negativamente a confiança dos investidores, prejudicando o desempenho do mercado de ações. A Petrobras e a Vale são exemplos claros dessa conduta, com o governo exercendo pressão em suas operações e decisões estratégicas.

Além disso, a Eletrobras encontra-se atualmente no centro das atenções, já que o governo expressa sua intenção de reverter a privatização estabelecida pelo governo anterior. Essa incerteza em relação às políticas governamentais cria um ambiente instável para os negócios, desencorajando potenciais investidores e contribuindo para a saída de capital da Bolsa de Valores.

 É crucial que o governo reavalie sua abordagem em relação às estatais e privadas, adotando uma postura mais transparente e pró-mercado. A estabilidade e a previsibilidade são fundamentais para atrair investimentos e promover o crescimento econômico sustentável. Caso contrário, corremos o risco de ver mais investidores estrangeiros se afastando do mercado brasileiro, agravando ainda mais nossa situação econômica.

 Em tempos de incerteza, é essencial que o governo adote medidas proativas para restaurar a confiança dos investidores e promover um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder oportunidades de investimento e enfrentar consequências econômicas ainda mais severas no futuro.

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