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Gaudêncio Torquato: "Cacarejos no estado-espetáculo"

Professor da Universidade de São Paulo (USP)

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Os estilos da galinha e da pata servem para comparar governantes, partidos e, de modo geral, os políticos. A primeira põe um ovo pequenino, mas cacareja e todo mundo vê, enquanto a segunda põe um ovo maior e ninguém nota. O ovo da pata, segundo os nutricionistas, é mais completo que o da galinha, mas é este que gera atenção, intenção, desejo e ação – a fór­mula AIDA – para estimular seu consumo. E o êxito se deve porque a fêmea do galo sabe alardear seu produto, cumprindo rigorosamente o preceito maquiavélico: “o vulgo só julga aquilo que vê.”

Pois bem, Bolsonaro adota o estilo de galinha. Lula, também. Ambos apreciam cacarejar em palanques, usando expressões acusatórias, símbolos populares, abordagens que primam pelo mau gosto e, em alguns casos, entrando no poço do “baixo-calão”. Há dias, indagado sobre se é possível preservar o meio ambiente, o presidente sugeriu ao repórter “fazer cocô dia sim, dia não, para reduzir a poluição ambiental”. Noutra feita, indignado, disse que basta “um cocozinho petrificado de índio para barrar licenciamento de obras”.

Lula também tinha das suas. No Rio Grande do Sul, em alusão a um túnel na BR-101, mandou: “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca, como aconteceu com o túnel em Osório. O País não pode ficar a serviço de uma perereca....Nem que eu tiver que me atarracar com aquela perereca, vou andar nesse túnel. E peça para a perereca sair de perto, porque eu vou vir meio nervoso.”

Para compreender como o cacarejo adquiriu importância central na política, é oportuno lembrar as tintas que desenham nossa iden­tidade. Os estudiosos do ethos nacional costumam apontar, entre os valores que o plasmam, a falta de precisão, a adjetivação excessiva, o individualismo, a propensão ao exagero. Somos um povo de lingua­gem destemperada e de pensar fluido, indeterminado, misterioso. Por isso, o Brasil passeia na gangorra, ora como o melhor dos mundos, ora como o pior.

Prezamos a verborragia. Sob ela, tem sido fácil aos nossos governantes pôr um aditivo no verbo e exagerar o tamanho de seus feitos administrativos.

Na era moderna, governantes e políticos sobem ao palco do Estado-Espetáculo, onde, com muita saliva, acrescentam palmos de altura ao seu tama­nho, elevando as benesses que praticam. No Estado Novo, o Brasil entrou na moldura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) getulista. No ciclo militar, mergulhamos nas águas do Brasil-Potência.  Resgatamos os albores democráticos, a par­tir de 1986, com o governo Sarney, ouvindo mais uma vez cacarejos que vendiam as glórias de planos econômicos.

Falácias acabaram frustrando o povo. Perplexos, assistimos ao marketing exacerbado do furacão Collor, passamos pelas extravagâncias do estilo Itamar e seu topete, ouvimos as falas elaboradas do schollar Fernando Henrique, até subirmos ao palanque permanente armado nas ruas durante a era Lula. Sem esquecer o destampatório confuso da dona Dilma Rousseff. Cada qual teve seu modelo de entoar “causos”, soltar recursos e amarrar apoios.

Na antiguidade, conta-se sobre Temístocles, o altivo ateniense, que não era de cacarejar. Convidado para tocar citara numa festa, o general declinou: “Não sei tocar música, o que sei é fazer de uma pequena vila uma grande cidade.”

Já os governantes das nossas três esferas federativas afinam o tom, não hesitando em mane­jar cítara, clarineta ou trombone. Abandonam o foco. Veja-se Bolsonaro. Fala pelos cotovelos. Atira forte nos adversários, alguns com pesados xingamentos. Parece inebriado pelo poder. Gogol já dizia: “Não é por culpa do espelho que as pessoas têm uma cara errada.” A ruína provocada pelo mo­delo pirotécnico de administrar acaba inspirando a verve exagerada dos nossos governantes.

Não se questiona a necessidade do governante de comunicar ao povo as ações de governo. É dever dos mandatários prestar contas dos atos, o que exige boa comunicação. E não deve haver oposição à decisão de quem usa o canal legítimo, com mensagem apropriada, no momento propício e para atingir a públicos adequados. O que é apropriado? Mostrar propostas e fatos. O que é desapropriado? O uso do palanque todo tempo, com venda de ilusões e apelos em direção aos aplausos. O Brasil precisa de menos Estado-Espetáculo e mais Estado-Cidadão.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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