O mundo tem assistido, atônito, a uma sequência de desastres “naturais” e de infraestrutura.
São furacões, tsunamis, deslizamentos de terra, incêndios florestais e inundações. São pontes, viadutos, barragens, edifícios e tantos outros que vão entrando em colapso. Também na área de alta tecnologia, podem ser citados os recentes acidentes com os aviões Boeing 737 Max 8. Estávamos ainda lamentando o incêndio do Museu Nacional quando fomos surpreendidos pelo incêndio da Catedral de Notre-Dame.
Segundo alguns autores, vivemos hoje em uma sociedade de risco. De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, uma sociedade de risco é “uma sociedade cada vez mais preocupada com o futuro, o que gera a noção de risco”.
Ulrich Beck aponta que toda ação humana, neste mundo desequilibrado, implica riscos que podem superar os aspectos positivos buscados.
Esses, cada vez mais, estão fugindo do controle das instituições sociais. É preciso retomar as rédeas, apela Maria Fernanda Espinosa Garcés, presidente da Assembleia Geral da ONU: “Temos a Ciência, a tecnologia e ferramentas nas mãos. É preciso conectar o tempo da política com o tempo da natureza”.
Na época em que vivemos, o meio ambiente está em profunda transformação. As mudanças climáticas acarretam alterações das temperaturas, no regime pluvial, na trajetória e velocidades dos ventos. As obras sofrerão a ação desses fatores, praticamente incontroláveis. O tratamento desses fatores usa padrões estatísticos, portanto, sempre poderão ocorrer episódios atípicos não previstos.
Os projetos da obra podem contar, atualmente, com importantes ferramentas de análise estrutural. Entretanto, para alimentar seus algoritmos, estará o ser humano mais ou menos preparado e responsável. Aqui, também se manifesta, muitas vezes, uma inadequação na utilização da Lei das Licitações quando os projetos são avaliados por seus preços. Um projeto mais barato pode, eventualmente, significar uma obra mais cara e insegura.
A execução das obras é um momento altamente preocupante. É a esfera onde se manifesta mais a lógica do lucro. Substituições de materiais especificados por outros de menor qualidade são comuns, bem como a pressão sobre o tempo de execução. Por último, é preciso levar em conta que, após a conclusão, as construções sofrerão a prova do tempo. Todas começarão a fenecer. Não existem obras eternas, o desgaste é inexorável. É quando surge o desafio da manutenção, para controlar o risco. Nas grandes obras, normalmente, é onde surge a responsabilidade do poder público. Manter custa caro, mas não gera reconhecimento político e administrativo.
É entre as responsabilidades do calculista, do executor e do mantenedor que, geralmente após os acidentes, surgem as narrativas contraditórias.
Cito um caso histórico e paradigmático – o desastre, em 1971, do Pavilhão de Exposição da Gameleira (Belo Horizonte), projetado por Niemayer, que se encontrava no exílio. Este evento levou à prisão, por dois anos, do calculista Joaquim Cardozo, o grande parceiro de Niemayer, que a ele se referia como “o brasileiro mais culto que existia”. Cardozo era engenheiro estrutural, poeta, contista, dramaturgo, professor universitário, tradutor, editor de revistas de arte e de arquitetura, desenhista, ilustrador, caricaturista e crítico de arte. Após as apurações, ficou provada a inocência de Cardozo e a culpa das construtoras e do governo de Minas, cujo governador pressionava para a conclusão da obra antes do fim do seu mandato.
Por fim, como alerta o professor Marco Aurélio Nogueira, o mundo não está acabando e precisamos olhar além das desgraças cotidianas. Temos de aprender a conviver com os riscos típicos da “sociedade do risco”, que são complexos, multifatoriais e provêm da estrutura da vida.
Para Fernando Pessoa, “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem”.