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Fausto Matto Grosso: "A farra dos feriados"

Engenheiro e professor aposentado pela UFMS

Redação

17/06/2017 - 02h00
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Escrevo este artigo, no Dia de Santo Antônio, revoltado com o número excessivo de feriados e de “pontos facultativos” no nosso calendário oficial. Nesta semana, há dois feriados católicos apostólicos romanos e dois “pontos facultativos” para o ócio não criativo no serviço público.

Nada contra Santo Antônio, padroeiro de Campo Grande, protetor das coisasperdidas e dos casamentos. Para aqueles que professam sua fé, como os fundadores de Campo Grande, um Santo comprovado que teria feito muitos milagres em vida, e mesmo após a sua morte. Segundo consta, onze meses após seu falecimento, ao ser exumado, sua língua estava intacta, considerada a prova definitiva de que falava em nome de Deus. Enfim, um Santo de muito respeito, em cuja homenagem existe um feriado municipal.

Os nossos feriados religiosos têm origem no Brasil Colônia, porque em Portugal a religião oficial era o catolicismo. No Brasil Império, foi permitida a liberdade para todas as crenças, no entanto, elas não poderiam ser manifestadas em espaços públicos. No Brasil Republicano, foi estabelecida a liberdade de culto para todas as religiões, mas só na Constituição de 1891 foi estabelecida a separação entre a Igreja e o Estado, acabando com a existência de uma religião oficial, rompendo com uma tradição de quatrocentos anos de catolicismo como religião oficial. A Constituição de 1988, com o princípio da separação Igreja-Estado, inserido no art. 19 da nossa Constituição, reforçou a importância do Estado laico, sem igreja oficial, e ainda o respeito à liberdade de crença. Apesar disso, a tradição dos feriados católicos vem sendo mantida, obrigatória para todos os brasileiros, independentemente de suas crenças. 

Entretanto, há de se respeitar a diversidade cultural e religiosa do nosso povo. Nesse aspecto, o calendário está muito desequilibrado e superabundante. Afinal, 40% da população não se declara católica, entre os quais há budistas, candomblecistas, evangélicos, kardecistas, judeus, muçulmanos, praticantes de confissões orientais, de religiões de matriz africana, umbandistas, etc. Estes também têm garantido constitucionalmente o direito de professarem seus dogmas espirituais, suas datas religiosas, suas crenças, bem como cultuarem suas divindades, etc. E, ainda, ateus e agnósticos, que não professam qualquer tipo de fé. Essas outras religiões também possuem suas datas de celebração, como a comemoração do Yon Kippur pelos judeus, o mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, e o dia de Iemanjá pelos praticantes de culto de matriz africana. Para esses, não existe feriado.

Neste ano, no calendário nacional, estão previstos nove feriados e cinco pontos facultativos oficiais. Além disso, em Campo Grande, serão mais 10 dias de folga municipal. Na cidade de São Paulo são apenas quatro e, no Rio de Janeiro, apenas três. Surpreendentemente, Cuiabá tem apenas um.

Se tem alguma coisa cumprida rigorosamente no Brasil é o tal “ponto facultativo”. O que deveria ser facultativo em função do interesse e da necessidade pública é cumprido com o rigor do obrigatório.
O que é facultativo para o serviço público não o é para muitas pessoas que vivem o dia a dia da vida real e que passam a serem perturbadas pelo fechamento de escolas, creches, unidades de saúde, bancos e pela redução da oferta do sistema de transporte. 

Há, pois, em nome do interesse público e do princípio da laicidade do Estado, de se separar o direito das comemorações religiosas da questão dos feriados oficiais. A questão dos feriados religiosos é uma problemática a ser debatida, no campo legal, pelo Estado Laico brasileiro, eis que, em nosso País, convivem harmonicamente os praticantes de todas as crenças e religiões. Da mesma forma, há de se enfrentar a questão da farra dos pontos facultativos. Eu não teria dúvida em trocá-los, todos, por um dia de folga por semana para quem, comprovadamente, precisasse dele para estudar.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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