Nos idos de 1994, divulguei na prestigiosa Revista de Processo, editada nacionalmente pela Revista dos Tribunais, volume nº 73, janeiro-março, um artigo com o título de “O ônus da sucumbência da ação civil pública de responsabilidade por danos ecológicos promovida pelo Ministério Público”, no qual concluí, com apoio em diversos julgados forenses e apontamentos doutrinários da época, que “o princípio da responsabilidade objetiva do Poder Público” (art. 36, da CF/88), “invalida toda e qualquer norma infra-constitucional que, de forma direta ou indireta, tenha em mira exonerar ou limitar essa responsabilidade.”
Nessas condições, inferi que “será contrária ao ordenamento jurídico vigente toda e qualquer interpretação que reconheça a irresponsabilidade do Estado por atos de seus agentes, seja de que natureza for em quaisquer de suas manifestações.”
Entretanto, decorridas mais de uma década e meia, o que presenciamos, no entanto, foi o crescimento assombroso e acéfalo - no dizer de um prestigiado processualista paulista - de ações civis pública e de improbidade administrativa intentadas pelo Ministério Público, quase sempre sem prévia apuração ou fundamento e, paralelamente, graças ao beneplácito de construções jurisprudenciais, passou a vigorar a idéia de que o Parquet não se submetia aos ônus de sucumbência nas hipóteses em que fosse mal sucedido nas demandas propostas, posto que não agia de má-fé mas na defesa do interesse público.
Esse entendimento deriva da ampla interpretação que permanece sem qualquer crítica até hoje no sentido de que o Ministério Público não se sujeita aos ônus da sucumbência quando perde a ação civil pública ou de improbidade administrativa do contido no art.17 da Lei nº 7.347, de 24-7-85, que dispõe: “Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.”
Porém, essa não é a melhor interpretação desse dispositivo legal, posto que ele não faz qualquer referência ao Ministério Público, mas somente aos legitimados para a ação que menciona de forma expressa, eis que, o admitindo como incluído, seria fazer tabula raza do preceito constitucional que instituiu a responsabilidade objetiva do Poder Público e a interpretação meramente gramatical dessa norma desautoriza essa conclusão, dado o secular aforisma latino de que “excepciones sunt strictissimae interpretationis (as exceções são interpretadas restritivamente).
A interpretação sistemática, por outro lado, conduz a resultado diverso do entendimento jurisprudencial que prevalece no momento, posto que o fato de o Ministério Público agir para preservar o interesse público, isoladamente não se presta para fundar a sua exclusão do ônus da sucumbência, eis que, ao sucumbir, ao perder a ação, o alegado interesse público que estaria sendo supostamente defendido não existiu ou não existe, sendo, destarte, manifestamente injusto atribuir-se ao particular acionado temerariamente todos os ônus decorrentes da demanda judicial que, no mais das vezes, são de valores vultuosos que impõe altas somas de dinheiro para sustentar o contrário.
Por outras palavras, se a ação promovida pelo Ministério Público o foi na defesa de interesse público, sendo esta julgada improcedente o interesse público não havia, não cabendo, concessa maxima venia, outra conclusão. A questão não passou desapercebida à pena de ARNOLDO WALD e GILMAR MENDES ao anotarem a clássica obra de HELY LOPES MEIRELLES quando afirmam que “No caso de improcedência da ação civil pública intentada pelo Ministério Público, há diversos julgados, tanto do STJ como dos vários tribunais estaduais, entendendo que não cabe a condenação na verba de sucumbência, por estar o autor da ação agindo no interesse da coletividade.
Para encerrar, vale a lição produzida no início do século pretérito por RUI BARBOSA, colacionada por AMARO CAVALCANTI, de que “Na jurisprudência brasileira nunca logrou entrada a teoria da irresponsabilidade da Administração pelos atos dos seus empregados.” (in Responsabilidade Civil do Estado, vol. 2, Ed. Borsoi, 1956, pág. 611).