Nos últimos dias, tivemos dois exemplos dos problemas que a demora em julgar do Poder Judiciário pode prejudicar cidadão
No Direito, o “perigo da demora” é um dos argumentos mais usados pelas partes dos processos em medidas cautelares, e nos pedidos da antecipação da tutela do direito pretendido. Expressão originária do latim periculum in mora, ela define o risco de uma decisão tardia, cuja demora pode acarretar prejuízos ao direito alegado pela parte.
De fato, o perigo da demora em processo judicial existe para ambas as partes, e cabe ao juiz, definir quem é o maior prejudicado com o risco de se esperar muito. O grande problema envolvendo este fundamento jurídico é quando toda a coletividade sofre com as decisões levam muito tempo para serem tomadas.
Nos últimos dias, tivemos dois exemplos dos problemas que a demora pode acarretar ao cidadão. No caso mais recente, em que funcionários do curtume Qually Peles morreram ao cair no tanque de dejetos da indústria de processamento de couro bovino, uma decisão mais rápida do Poder Judiciário, indepentemente de seu teor, poderia ter evitado o ocorrido.
O local funciona há vários anos mediante “termos de ajustamento de conduta” (TACs) firmados com a Justiça e o Ministério Público Estadual (MPE). No início 2013, as atividades da indústria foram suspensas pela Justiça de 1ª instância, que atendeu a pedido do Ministério Público Estadual. O Tribunal de Justiça, porém, na mesma época, concedeu uma liminar em agravo de instrumento autorizando o retorno da atividade do curtume. Detalhe: o agravo - apenas um dos recursos do processo principal, que ainda continua - só foi julgado no início deste mês. Resultado: mais um TAC foi firmado.
A demora do julgamento também acarreta outros danos. Um deles, é o desrespeito ao Estado. Mesmo após a morte dos funcionários do curtume, e da interdição do estabelecimento pelo Corpo de Bombeiros no domingo, o local voltou a funcionar ontem - à revelia das autoridades - sob o argumento de que a interrupção do processamento das peles acarretaria um prejuízo maior ainda à empresa. Ou seja, o dinheiro ainda tem mais valor que a vida dos trabalhadores.
O segundo caso de perigo da demora ocorreu no julgamento, também pelo TJ, do recurso da Câmara Municipal de Campo Grande contra a decisão de 1ª instância que anulou sessão que cassou Alcides Bernal, em março de 2014. Demorou 1 ano e seis meses para a corte revalidar a decisão do juiz da Vara de Direitos Difusos da Capital, reconhecer a nulidade da sessão, e tirar o vice de Bernal, Gilmar Olarte, do cargo de chefe do Poder Executivo da Capital.
Sem entrar no mérito do processo, o tempo levado para julgá-lo certamente comprometeu projetos de médio e longo prazo em Campo Grande, e o maior prejudicado são seus 853 mil habitantes. O que se vê hoje é uma cidade paralisada em meio a uma disputa pelo cargo de prefeito.
O Poder Judiciário tem dado demonstrações de aumento da celeridade em seus julgamentos, mas é preciso ainda mais eficiência, sobre tudo em causas que envolvem a coletividade. Quando o Estado demora a agir, o cidadão é o maior prejudicado.