Mesmo prevendo ano ainda de dificuldades financeiras, a administração municipal abriu mão de R$ 10 milhões do Consórcio Guaicurus.
A Prefeitura de Campo Grande tem mostrado que também pode ser muito generosa, mas só para alguns. Foi aprovada na Câmara Municipal, por 22 votos favoráveis e dois contra, a lei que isenta o Consórcio Guaicurus do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), segunda principal fonte de arrecadação própria do município.
Em tempos de crise econômica, a administração está disposta a abrir mão de cerca de R$ 10,8 milhões com tributo somente neste ano, podendo chegar a R$ 35 milhões até 2020, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A isenção de impostos à empresa responsável pelo transporte público não vem de agora. Em tese, a prefeitura renuncia o imposto para que a população pague menos e tenha um serviço de qualidade.
Mas isso fica apenas no campo das ideias. Essa teoria está longe de ser aplicada e fazer diferença na vida do usuário do serviço.
No ano passado, a contrapartida do consórcio era a implantação de 100 novos pontos de ônibus e a reforma de terminais, serviço que, quando feito, foi de forma paliativa. Enquanto isso, a tarifa subiu 4,2%, de R$ 3,55 para R$ 3,70, o que corresponde a R$ 0,15 a mais para o consumidor. Na época, a alegação foi de que a isenção de impostos fez com que a tarifa não subisse tanto quanto deveria.
Mesmo assim, a bondade da prefeitura foi além: pela lei aprovada, o Consórcio Guaicurus terá a isenção do imposto, sem nenhuma contrapartida, ou seja, sem precisar investir um centavo em melhorias no serviço prestado. A administração, agora, pegou para si a responsabilidade de manutenção dos terminais.
Essa decisão bate de frente com o discurso de arrocho fiscal e dá a impressão de que sobra recursos em vez de faltar. No ano passado, a prefeitura cortou gastos, demitiu servidores e declarou guerra contra a inadimplência e sonegação de impostos.
Uma das ações foi protestar, em cartório, devedores em um momento em que o índice de desemprego crescia em Campo Grande – somente no ano passado, 3.315 mil postos de trabalho foram fechados, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Ainda no primeiro ano de gestão de Marcos Trad, foi realizado um programa de refinanciamento da dívida e a venda antecipada da folha de pagamento dos servidores.
A chave de ouro, no entanto, foi a implantação da taxa do lixo, que rendeu R$ 9 milhões de arrecadação e um imenso imbróglio. Por erros técnicos, segundo argumento apresentado semanas atrás, a taxa foi suspensa e foi iniciado o processo de ressarcimento aos contribuintes que a pagaram com o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) à vista. Com isso, novos carnês tiveram de ser confeccionados, gerando mais custos para a administração e dor de cabeça para o contribuinte.
No ano passado, a arrecadação foi de R$ 881,108 milhões somente com tributos próprios, sendo R$ 375,941 milhões com o IPTU, 20,19% a mais em comparação com 2016, e R$ 305,752 milhões com o ISS, o que corresponde a uma alta de 11,31%, segundo relatório orçamentário da prefeitura, publicado no Diário Oficial de Campo Grande de 2017.
Pouco disso foi revertido para a cidade: somente R$ 99 milhões foram para novos investimentos na Capital, que se resumiram, basicamente, em questionável serviço de tapa-buraco.
Há um abismo entre recursos e a última ponta do processo. Além de terminais em estado muitas vezes deploráveis, a população precisa se submeter a ônibus lotados e degradados. A generosidade da prefeitura poderia se voltar à população e não ser uma benesse concedida a quem deveria prestar serviço de qualidade e ser cobrado por isso.