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Coriolano Xavier: "Sustentabilidade: o que estão pensando os europeus"

Integrante do Conselho Científico Agro Sustentável (Ccas) e professor da ESPM

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Pesquisa feita recentemente na Europa, por empresa do grupo Financial Times (Longitude), investigou como andam as percepções dos consumidores e agricultores sobre alimentos produzidos de forma sustentável. O trabalho apoiou-se em um levantamento com 2.500 consumidores e 600 produtores/gestores agrícolas, em sete países, de leste a oeste do continente europeu. O estudo (“Sistema Alimentar Sustentável”) foi iniciativa da Corteva europeia e apontou que a produção alimentar exigirá mais ciência e mais sustentabilidade no futuro, em resposta às visões da sociedade sobre alimentação, saúde e bem-estar.

Quanto mais as pessoas tornam-se conscientes do impacto que os alimentos podem ter sobre a saúde e a prevenção de doenças advindas do estilo de vida contemporâneo, mais vão dirigir suas escolhas alimentares nessa direção. Na pesquisa, 75% dos consumidores disseram acreditar (totalmente ou em parte) que “comprar alimento produzido de forma sustentável contribui para sua saúde e bem-estar”. Apenas 8% discordaram dessa afirmação e 17% não souberam responder. Na mente dos europeus, portanto, parece ter se estabelecido um elo claro entre produção sustentável, saúde e bem-estar.

Certamente, o sabor continuará soberano na escolha dos alimentos, bem como aspectos nutricionais para os mais exigentes. Mas, quando se trata de sustentabilidade, quais os critérios que balizam os consumidores? Segundo o estudo, metade (51%) diz evitar alimentos produzidos com insumos sintéticos, também metade (48%) fala em opções que reduzam o desperdício de alimentos e outros 35% mencionam relacionamento justo com a comunidade e os pequenos produtores. A percepção de sustentável, pelo visto, vai além dos fatores agronômicos de produção e tem uma dimensão simbólica ampliada.

As cadeias produtivas do agro parecem estar hoje sob exame dos consumidores, que querem alinhá-las com o que acreditam ser os melhores padrões de sustentabilidade. Assim, do agricultor à indústria de alimentos e supermercados, é preciso estar consciente desses ventos de mudança e de que pode estar vindo uma revolução do alimento, liderada por pessoas que acreditam querer o melhor, com mais sustentabilidade e com produtos autênticos. É uma energia cultural ponderável, tanto que boa fatia dos produtores europeus está convencida de que o atual sistema de produção precisa mudar e se inovar, segundo mostra a pesquisa.

Sob pressões ambientais ou de consumo, diretas ou por meio das cadeias produtivas, os produtores buscam de modo crescente práticas sustentáveis de produção. Percebem que devem produzir de um jeito mais eficiente, com mais qualidade e menor impacto ambiental, mas que os formuladores de políticas agrícolas não estão ajudando nesse desafio, que também é oportunidade. Aliás, quando questionados sobre os maiores desafios para seus negócios, 33% dos agricultores europeus apontam para as políticas agrícolas desfavoráveis. Logo depois, com 27% de menções, aparece “a mudança na demanda dos consumidores”.

Embora tenham a percepção de que enfrentam escolhas difíceis e de que nem todo santo ajuda, os agricultores parecem reconhecer o imperativo de se buscar soluções sustentáveis. De acordo com a pesquisa, abordagens pró-sustentabilidade estão em alta entre produtores europeus – como agricultura de precisão, qualidade do solo, redução da pegada de carbono nas fazendas, gestão ambiental de resíduos, redução de produtos sintéticos e conservação de água. Práticas que já são conduzidas por 20% a 30% dos entrevistados, segundo declaram, e atingem o nível de 50% de adoção, se o horizonte é de dois anos para frente.

O estudo também segmentou sua análise para agricultores que já adotam, pelo menos, três práticas recomendadas para uma produção sustentável, os quais denominou “campeões da sustentabilidade”. Com eles, o grau de adoção de manejos sustentáveis avança para a faixa de 50% e sobe para 60%-70% no horizonte de dois anos. Para o produtor brasileiro, índices assim dizem muito sobre o rumo dos padrões de competitividade internacional nos próximos anos. Algo para se ficar de olho, principalmente com a inserção internacional que o nosso agro pretende cultivar, ainda mais.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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