O tratamento brando dado aos mais ricos no crime fiscal acaba ratificando o senso comum de que só os desafavorecidos vão para a cadeia.
A sonegação fiscal é o crime dos endinheirados. São milhões, bilhões de reais escamoteados em subterfúgios jurídicos ou de maneira deslavada, permitindo aos criminosos uma vida de luxo e poder. A operação desencadeada ontem em Mato Grosso do Sul é demonstração do poderio de empresários impunes, por anos a fio. Fica a dúvida de como essa ostentação pode passar despercebida pelos órgãos de fiscalização por tanto tempo e as implicações dessa cegueira seletiva pode ter agora, que estão vindo à tona casos cada vez mais escandalosos.
Na operação da Polícia Federal, a investigaçao chegou a sonegação de cerca de R$ 350 milhões, em esquema comandado pelo dono do frigorífico Frigolop, José Carlos Lopes. Ele, aliás, já foi preso e investigado em 2004 pelo mesmo crime por burlar o sistema previdenciário. Segundo a investigação, por meio de empresas satélites e familiares, criou rede de empresas utilizadas para fraudar o fisco. Na ação, os policiais apreenderam carros de luxo, vinhos, TVs de 105 polegadas e outros equipamentos.
É curioso como padrão de vida desses tenha passado incólume pelas autoridades de fiscalização em Mato Grosso do Sul. Daí, se pressupõe a falha no sistema em vigor no País, aliado a uma possível participação de servidores no esquema. Na Operação Carne Fraca, por exemplo, a ação tinha apoio de fiscal do Ministério da Agricultura. Na investigação da PF, servidor foi acusado de intermediar a exportação de miúdos de frango para a China por uma empresa investigada e, além disso, favoreceu o frigorífico na liberação de abate de cavalos.
O dinheiro rápido e fácil é a isca usada pelas empresas, principalmente frigoríficos e cerealistas. Fiscais são seduzidos por benesses que não seriam possíveis por meio da remuneração. Além disso, o próprio sistema tributário brasileiro, com brechas e diversas interpretações permite a sonegação. Os valores descobertos podem ficar represados, por anos, nos processos judiciais.
Mesmo que flagrados no delito, em operações da Polícia Federal, não se furtam de manter o esquema criminoso. Passada a primeira fase da execração pública, o assunto acaba sendo resolvido em acordos com a Justiça, com o pagamento do montante sonegado. As penas de prisão, de dois a cinco anos, quase nunca são aplicadas. Além disso, não permite condenação em regime fechado se for réu primário. No caso dos envolvidos no flagrante de ontem, pelo menos tiveram os bens confiscados, o que, por si só, representa punição, isso se for mantida até o processo final.
O Brasil precisa rever o sistema tributário para não permitir que a sonegação continue levando bilhões dos cofres públicos. Há, também, a necessidade de se rever a punição prevista aos sonegadores. Muitos são beneficiados em processos que tornam-se longos, prejudicados pelos recursos da defesa, impetrados justamente para prejudicar a ação. O tratamento brando dado aos mais ricos no crime fiscal acaba ratificando o senso comum de que só os desafavorecidos vão para a cadeia. A realidade precisa mudar.