Não se pode aceitar o pagamento de bônus para o cumprimento da própria obrigação. O ofício dos auditores do município é cobrar impostos e eles já são muito bem pagos para isso.
É saudável que o poder público arrecade o suficiente para cobrir suas despesas e oferecer bons serviços à população. O que não pode – e é o que mais ocorre – são os entes estatais visarem a arrecadação para, em primeiro lugar, se retroalimentarem. A oferta de bônus financeiro trimestral aos auditores municipais que atingirem meta de cobrança e recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), em Campo Grande, é um dos exemplos dessa canibalização dos recursos públicos pela máquina estatal.
É difícil conceber que uma categoria, historicamente muito bem remunerada, precise de incentivo financeiro para arrecadar mais. É como se o poder público existisse para eles, e o que sobra é distribuído para o restante da máquina. É essa a impressão que se passa.
Vejamos a realidade dos auditores fiscais do município. Alguns têm salários superiores a R$ 100 mil e só ganham menos que isso (R$ 33 mil, o teto do serviço público), justamente, por causa da limitação imposta pela Constituição da República. Em recomendação feita pelo Ministério Público Estadual no ano passado para que os auditores recebessem abaixo do teto, alguns contracheques de auditores foram expostos: o salário-base é de R$ 14 mil (pouco abaixo do salário do prefeito), mas há vários penduricalhos, alguns com valores exorbitantes, caso do “adicional de funções tributárias”, de R$ 29 mil, e uma “vantagem pessoal incorporada”, de aproximadamente R$ 90 mil.
Os impostos, como o próprio nome já enuncia, existem por si só. São uma imposição. Integram parte do contrato social entre o cidadão e o Estado. Trata-se de uma imposição do poder público, para que a máquina que estabelece limites à sociedade e organiza a vida das pessoas funcione adequadamente.
Oferecer bônus como esses aos cobradores de impostos é uma grande injustiça não somente com todos os contribuintes de Campo Grande, mas principalmente com todos os outros servidores do município. Nem médicos, nem professores, nem mesmo um auxiliar de serviços gerais têm o ofício de cobrar esses impostos, portanto, não poderiam contar com tal oportunidade de rendimento extra. Também é oportuno frisar que o salário de todas as categorias – também essenciais à máquina pública – é financiado com o dinheiro dos impostos, entre eles, o ISS.
Não se pode aceitar o pagamento de bônus para o cumprimento da própria obrigação. O ofício dos auditores é cobrar impostos e não custa repetir: eles já são muito bem pagos para isso. Em média, ganham mais que médicos, que professores, que enfermeiros, que secretários do primeiro escalão e, pasmem, que o prefeito. Seria porque têm a chave dos cofres públicos nas mãos? Lamentamos que um bônus como esse esteja se transformando em mais uma das legalidades imorais nos salários dos servidores públicos de alto poder aquisitivo, caso, por exemplo, do auxílio-moradia concedido a servidores do Ministério Público, Judiciário e Defensoria Pública. O contribuinte não aguenta mais.