A saúde pública não pode continuar sendo tratada de forma emergencial, baseada na política da imprevisibilidade ou do “pago quando puder”.
Há enorme lacuna entre discurso e prática quando o serviço público é avaliado. Essa disparidade está ainda mais evidente se mensurado o descaso que ocorre hoje na saúde pública. O governo do Estado deve R$ 40 milhões aos 79 municípios de Mato Grosso do Sul. O recurso já deveria estar sendo aplicado para melhorar o atendimento de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), mas a gestão estadual simplesmente deixou de repassar os valores. É preciso esclarecer, de forma mais detalhada, essa deficiência, que se arrasta desde o ano passado. A explicação resumida dada até agora pelo secretário estadual de Saúde, Nelson Tavares, de que os pagamentos estão sendo feitos gradativamente, é insatisfatória se comparada à gravidade da questão.
Há imposições legais estabelecendo os porcentuais que precisam ser aplicados em saúde. No caso dos estados, o montante chega a 12% do que foi arrecadado com impostos. Para os municípios, sobe para 15%. Esse contingenciamento estaria afetando essas metas? Trata-se de irregularidade que merece ser apurada pelo Ministério Público Estadual e Tribunal de Contas. Quase semanalmente, inquéritos são instaurados para apurar falhas na área, desde medicamentos em falta até problemas estruturais nas unidades de saúde. É preciso ir além e atacar o cerne dos problemas, que pode estar relacionado às obrigações básicas de repasses financeiros que estão sendo descumpridas, além, óbvio, de deficiências de gestão.
Nos últimos três anos, os brasileiros têm ouvido frequentemente a justificativa de crise econômica para os cortes ou descumprimento de metas. Também se tornou resposta pronta para a enorme disparidade entre os discursos eleitorais e o que se vê na vida real. Sem dúvida, a dita prioridade na saúde não vem sendo colocada em prática. As ações da Caravana produziram efeito passageiro, mas a demanda, como todos já sabiam, voltaria a crescer. Surgem informações de uma nova edição para levar esse atendimento a todo o Estado, criando “novo evento”, talvez mais perto do ano eleitoral. Infelizmente, a população é submetida a tamanho descaso que acaba considerando extraordinários procedimentos que deveriam ser rotineiros nos hospitais, a exemplo da operação de catarata.
Campo Grande tem sofrido de forma mais expressiva as dificuldades financeiras. A atual gestão sente os reflexos do desastre administrativo de Alcides Bernal e Gilmar Olarte, mas também é castigada pelo governo do Estado. O rateio do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pode fazer a cidade perder R$ 54 milhões, enquanto, de forma inexplicável do ponto de vista contábil, outras prefeituras do PSDB tiveram acréscimo nos repasses. Agora, a Capital amarga atrasos de R$ 21 milhões na área da saúde e, mesmo assim, precisa atender à demanda de pacientes do interior do Estado, que contribuem para a superlotação nos hospitais. Os prejuízos para os pacientes são inevitáveis e já há reflexo no desabastecimento de remédios e exames. A Santa Casa, por exemplo, acaba de suspender agendamento de cirurgia.
A saúde pública não pode continuar sendo tratada de forma emergencial, baseada na política da imprevisibilidade ou do “pago quando puder”. Falta responsabilidade e compromisso!