No jogo da distribuição de recursos da saúde pública, quem mais sofre é quem mais precisa: o paciente pobre.
Periodicamente, os gargalos da saúde pública são expostos à população. Na semana passada, foi a vez de a demanda estourar no Pronto Atendimento Médico do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, o HU, em Campo Grande. Superlotado, o pronto-socorro foi fechado na quinta-feira (16) e reaberto apenas na manhã de segunda-feira (20). Na ocasião, quando a unidade deixou de receber novos pacientes, havia 67 pessoas internadas, não somente em macas nos corredores, mas até mesmo nas cadeiras.
Algumas situações deste episódio devem ser observadas nas entrelinhas, como, por exemplo, a intenção do hospital em tornar público o fechamento de sua unidade. O ato tinha endereço certo: os gestores das verbas da saúde. No caso de Campo Grande, gestora plena dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS): a administração municipal. Depois de outros órgãos públicos, como os ministérios públicos Federal e Estadual e o governo do Estado, intercederem em uma mediação entre o HU e o município, o pronto-socorro acabou reaberto. A promessa de mais dinheiro – para atingir os R$ 3,6 milhões previstos em contrato – foi essencial para que o local voltasse a atender. Na segunda-feira, quando as portas foram abertas, já estava lotado novamente.
Deste impasse – que certamente é uma questão de tempo para se repetir –, é possível tirar algumas conclusões. A primeira delas é de que, no jogo da distribuição de recursos da saúde pública, quem mais sofre é quem mais precisa: o paciente pobre. Assim como em outros casos de fechamento de pronto-socorro, uma prática repugnante ficou no ar: o uso destas pessoas, que precisam do atendimento de emergência e urgência, como chantagem por mais recursos. A situação é lamentável tanto pelo lado que “prende” os recursos quanto dos que o exigem.
Também é possível constatar que a demanda pelos serviços oferecidos na combalida saúde pública é cada vez maior. Apesar das críticas e dos inúmeros gargalos, como o descrito acima, os que precisam dos médicos que não cobram dos pacientes integram um grupo gradativamente maior. Reflexo da crise econômica e da debandada de cidadãos da classe média, que não suportaram pagar seus planos de saúde.
Enquanto os hospitais públicos e os beneficentes estão lotados, os hospitais privados, como os da Unimed e da Cassems, por exemplo, não dispõem de alguns leitos intensivos, caso das UTIs neonatais. Os clientes destes convênios acabam utilizando a estrutura que é compartilhada com a rede pública. A situação, publicada na edição de ontem do Correio do Estado, denota mais um problema do sistema de saúde. A estrutura destinada ao tão criticado SUS, no fim das contas, não é somente o refúgio dos mais pobres, mas também dos clientes da saúde suplementar. O sistema público pode até ser universal, mas ele deve ser justo e proporcional. Não é o que ocorre.