Sem transporte público digno, a população é obrigada a comprar motos e carros e, assim, entupir as vias da cidade de veículos e os nossos pulmões, de gases poluentes.
Máxima para qualquer vendedor – seja de um produto ou de um serviço –, a regra de que o cliente vem em primeiro lugar está longe de ser aplicada quando a coisa é pública. Um dos maiores exemplos desse descaso é o transporte. Se já não bastasse andar em ônibus lotados, sem conforto algum – fervendo em dias quentes e com goteira nos dias de chuva –, os usuários (não consumidores) ainda são obrigados a esperar embaixo do sol escaldante em pontos de ônibus, só identificados por pequenos postes de sinalização. São mais de mil pontos de ônibus não cobertos, em Campo Grande – às vezes sem sinalização alguma, perdido no meio do mato. Não é à toa que o Consórcio Guaicurus reclama de perder, a cada ano, mais usuários.
Trata-se de um círculo vicioso: sem investimentos para melhorar o conforto e a vida dos passageiros, estes começam a buscar outras alternativas. Não é ao acaso que tem crescido o número de motociclistas – influenciado também às facilidades de linhas de financiamento – e de outros serviços como táxi, mototáxi e de aplicativos de transporte urbano. Não dá para contar com ônibus que quebram no meio da rua ou que estã constantemente atrasados. Com isso, é cada vez maior a frota de carros e motos, entupindo ruas e avenidas de Campo Grande e os nossos pulmões, de gases poluentes. Isso sem contar com os gastos no Sistema Público de Saúde. Se aumenta o volume de veículos, cresce também o número de acidentes de trânsito, principalmente, envolvendo motos. Esse caos no transporte público é típico do Brasil, mas vai na contramão das ações que visam melhorar a qualidade de vida da população nas grandes cidades.
O consórcio responsável pelo transporte não é o único culpado. É, no mínimo, contraditório uma administração que terá, até o fim do ano, vistoria ambiental veicular para fiscalizar, entre outros itens, a emissão de gases poluentes dos veículos, pouco fazer para melhorar a qualidade do transporte público na cidade. É da prefeitura a responsabilidade sobre os pontos de ônibus tanto do centro quanto da periferia. Porém, para quem recebe uma isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) de R$ 10 milhões, nada mais justo reverter parte desse descontão à população. Até 2020, o município vai abrir mão de R$ 35,1 milhões para isentar o consórcio e cabe a ele ter pulso firme para exigir contrapartidas da empresa. No ano passado, 100 pontos de ônibus passaram por revitalização custeada pelo consórcio. Já para este ano, o consórcio recebeu novo incentivo, sem ter que investir nem se quer um real em Campo Grande. A generosidade excessiva não agradou. Na época, a metodologia era a seguinte: conceder isenção de imposto e, em troca, o consórcio manteria a mesma tarifa de ônibus. Porém, no fim do ano passado, o preço da passagem passou de R$ 3,55 para R$ 3,70. Para os “fresquinhos”, o aumento também foi de R$ 0,15, passando para R$ 4,50. Se o Consórcio Guaicurus quer reconquistar seus passageiros, ele terá de rever o que está oferecendo em troca. Assim como a gestão municipal, que precisa imaginar como estará o trânsito e a saúde do campo-grandense daqui a alguns anos, se nada for feito em relação à mobilidade urbana.