Artigos e Opinião

ARTIGO

Clemente Ganz Lúcio:
"Saídas para a crise"

Sociólogo e diretor técnico do Dieese

Redação

25/09/2015 - 00h00
Continue lendo...

A sociedade brasileira está imersa em uma crise econômica e política que coloca em risco, mais uma vez, a trajetória do desenvolvimento do País. Ao mesmo tempo, para ser superada, essa crise exige medidas duras e difíceis, que, se realizadas e sustentadas pela sociedade brasileira, podem recolocar o País em uma nova trajetória de crescimento econômico e de desenvolvimento social. 

O Brasil é um grande e importante jogador na economia mundial. Os países ricos e as empresas multinacionais não brincam nesse jogo e, sempre que podem, submetem nosso desenvolvimento aos seus interesses. A soberania nacional depende, inclusive para realizar determinada estratégia distributiva, da capacidade econômica do País para induzir o crescimento com recursos próprios. 

O fortalecimento do mercado interno de consumo de massa é um dos eixos que fazem rodar nossa economia. O outro eixo é a participação no mercado internacional com uma pauta robusta de commodities e produtos industriais. O motor que coloca esses dois eixos em movimento é o desenvolvimento industrial, esta capacidade de criar e transformar produtos que agregam valor, sofisticando a base produtiva com tecnologias inovadoras, especialmente aquelas que renovam e preservam o meio ambiente e criam bem-estar social e qualidade de vida. 

O desenvolvimento industrial difunde tecnologia e cria produtos para a agricultura, demanda serviços mais sofisticados e mobiliza novas capacidades do comércio. 

Cabe ao Estado aportar infraestrutura econômica e social para sustentar o desenvolvimento produtivo, assim como aportar os instrumentos de política industrial. Ao mesmo tempo, é fundamental também que a política econômica coloque o câmbio e os juros posicionados para promover e animar o desenvolvimento produtivo, bem como mobilize crédito de longo prazo com taxa de juros decentes.  

A crise internacional continuará longa e não favorecerá saídas que dependam muito da demanda externa. Por isso, a primeira tarefa é fortalecer o eixo interno (mercado interno e investimentos em infraestrutura), preparando, ao mesmo tempo, a base produtiva brasileira para participar do mercado mundial, com competitividade desde já, e para atender à demanda do mercado interno.  
A reorganização fiscal do Estado para um orçamento equilibrado é uma urgência que deve ser claramente explicitada para a sociedade. Nesse movimento, abre-se a oportunidade para a promoção do debate sobre o orçamento público, com a análise, de maneira transparente, do conjunto das despesas correntes, das fontes de receita e da regressividade da estrutura tributária, assim como das dívidas e dos custos da dívida. É urgente também uma atuação mais vigorosa em relação aos créditos existentes, à sonegação e à evasão fiscal, entre outros. 

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

Continue Lendo...

A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).