É preciso apreender os currículos prescritos, e nesse caso específico os de educação física, a partir do debate sobre o que se aprende e o que é ensinado na escola. Assim, aos docentes e agentes do campo da educação física, isto é, os que pertencem a esse espaço social imbuído de conflitos e tensões cabem compreender as transformações e as diferentes estratégias impostas por agentes dotados de legitimidade e produtores de bens simbólicos, por possuírem diferentes espécies de capitais (econômico, social, cultural e simbólico), alguns acumulados pelas lutas dentro do campo, que a partir de interesses específicos estabeleceram critérios de verdade, propalando assim, cada um, sua visão da área.
Constatamos haver uma disputa neste campo, sendo este influenciado pelas ciências naturais, humanas e sociais, tornando-o um espaço de conflitos onde impera interesses particulares que caracterizam a área em questão. Dessa forma, a educação física, se torna um campo respaldado por meio das teorias dessas ciências, o que implica dizer, que os conteúdos da área passam a investigação tomando como empréstimo essas duas matrizes teóricas, muitas vezes com predomínio de uma sobre a outra.
Tal fato é percebido em documentos/referenciais/propostas/diretrizes curriculares de educação física, considerados aqui, como instrumentos potentes para manter o monopólio de determinadas matrizes teóricas, um terreno profícuo para a disputa de diferentes posições epistemológicas da área. Esses documentos locais elaborados e publicados pelas redes de ensino (municipais e estaduais) brasileiras, a partir de uma linguagem autorizada e legitimada pelos agentes que os elaboram, norteiam as ações pedagógicas dos docentes nas escolas brasileiras e apresentam ressignificações. São produzidos por grupos das secretarias de educação/comunidades epistêmicas (compostas, como assinala a autora/pesquisadora Alice Casimiro Lopes, por grupos de especialistas que além de terem como objeto de estudo o currículo, precisam compartilhar concepções, valores e regimes de verdade entre si), além de universidades parceiras, professores lotados nas escolas, bem como outras influências locais.
Os documentos curriculares além de nortear o trabalho docente nas escolas, buscam melhorar a qualidade do ensino público em atendimento às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394/96), das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013), do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), bem como da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), última versão aprovada no ano de 2017. A partir da sua aprovação, as redes de ensino foram orientadas para adequar seus documentos curriculares e, nesse cenário, faz-se necessário retomar as inquietações relacionadas ao campo da educação e da educação física, no que tange as suas diferentes concepções no trato didático-pedagógico dos conteúdos, bem como no conhecimento produzido em seu campo em diferentes momentos da história, especificamente final da década de 1970 e início de 1980, em que se instala uma crise de identidade, e que trouxe questões sobre o corpo, não atrelada apenas a visão biológica.
Nesse viés, o currículo visto como artefato cultural passou a incorporar elementos anteriormente marginalizados, deixando assim, a neutralidade curricular tradicional da/na área, a partir do rompimento com os paradigmas da aptidão física e do esporte, fortemente presentes até então. Destacamos que a crítica a esta visão foi e, ainda, é necessária, no sentido de desmistificar a associação da educação física as questões físicas, reduzindo o corpo ao aspecto estritamente biológico, da formação do corpo pautado na produtividade, portanto, distante de uma formação política.