Artigos e Opinião

opinião

Aroldo José de Lima:
'A vassoura e o saco de lixo'

Procurador de Justiça

Redação

31/01/2018 - 02h00
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Esta é uma novela sem final feliz. Ambos viviam felizes até o fim de novembro p.p., pois desde 1974 moravam dentro do IPTU de cada contribuinte, a limpeza pública representada pela vassoura e o saco de lixo, simbolizando a coleta feita pelo município. 

Mas, como todo casamento, a vassoura, de tanto ser questionada, já que não é possível mensurar quanto cada cidadão produz de lixo a ser recolhido no espaço de uso comum da coletividade, divorciou-se do saco de lixo, para quem seria possível medir quanto cada imóvel produz de detritos. Será? 

Desapontado, o saco de lixo correu para entrar na conta de água, mas o Código de Defesa do Consumidor proibiu. Depois, voltou para a antiga casa, fez um puxadinho no IPTU, mas a obra foi embargada pela revoltada população e, agora, sozinho na rua, virou sem-teto a esperar  um abrigo seguro. 

Tudo isso porque a Súmula Vinculante 19 do STF entrou na vida do casal para provocar: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”, porém, deixou de explicar que é necessário que a coleta esteja “completamente dissociada de outros serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral e de forma indivisível”. 

Porém, consta que na vigência daquele longo casamento, em fins de 2012, a prefeitura terceirizou esses serviços, ao que tudo indica, englobando o casal divorciando, pois é corrente e notório ver os operários uniformizados pela mesma concessionária executando ambas as atividades, cujo orçamento foi dividido entre 410 mil imóveis, entretanto, sem esperar 90 dias para dar início à arrecadação, além de outros abusos que fez o município recuar e prometer devolver a taxa, e se isso não acontecer, para quem requerer a restituição, ficará o dito pelo não dito, passível de responsabilização. 

Como desde os tempos da vovó era o IPTU quem suportava a varrição e a retirada do lixo produzido pela população, com o crescimento da cidade, que virou capital em 1979, agora  apurou-se um patrimônio oculto de 110 mil inscrições municipais sem a taxação. São averbações de terrenos que não geram lixo doméstico ou foi negligência do coletor municipal? 

Seja lá o que for, o certo é que se impõe decotar daquele custo (se estiver incluso) o valor referente ao gasto que a vassoura tem, senão restará caracterizado a bitributação. O bom era manter a tradição, pois o IPTU é a pessoa certa para dar conta desse casal complicado, prestes a completar 119 anos, como faz outras grandes cidades, já que cuidar de limpeza urbana e recolhimento de lixo sempre foi serviço municipalizado.

Talvez esse divórcio seja fruto dos tempos modernos, de redes sociais e de novas uniões de gênero, pois, se onde há fumaça tem fogo, parece que estão travestindo a nova taxa do lixo de uma natureza jurídica que ela não possui, como se percebe na seguinte transcrição jornalística: “Diferentemente da receita com o IPTU, que é destinada ao caixa do município, os valores arrecadados com a taxa do lixo são usados exclusivamente para pagamento da concessionária.

A prefeitura não pode dar outra destinação ao valor arrecadado” (publicado na rede, no dia 24 p.p.). Ora, se isso fosse verdade, se estaria diante de uma teratologia jurídica, porquanto seria uma verdadeira contribuição social ou empréstimo compulsório, cuja criação é vedada terminantemente aos municípios, o que poderia tipificar uma possível improbidade administrativa. 

Enfim, o legislador municipal deve estabelecer critérios seguros para a medição individualizada do serviço de coleta, pois, não havendo como identificar os parâmetros da especificidade e da divisibilidade do serviço prestado a cada contribuinte, se estará, na verdade, diante de um tributo vinculado ao serviço genérico de limpeza pública, que deve ser custeado por meio de imposto, e não de taxa.

Do contrário, a vassoura e o saco de lixo vão sair de mãos dadas no bloco carnavalesco que se avizinha, comemorando a reconciliação, o que não seria ruim, já que são pessoas centenárias e, nesta fase da vida, devem se conformar com o destino que o Supremo lhes reservou. 

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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