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Antônio Carlos Siufi Hindo: "O Estado papal e a Amazônia"

Promotor de Justiça aposentado

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O Tratado de Latrão, assinado entre o governo da Itália e a Igreja Católica em 1929, colocou fim à “questão romana” e ensejou a criação do Estado do Vaticano, também conhecido como Estado papal. O Pontífice da Igreja Católica passou a ser oficialmente considerado chefe de Estado com todas as prerrogativas dos seus iguais. Mas sempre no curso da história o seu peso político foi surpreendente. 

Na esteira desse raciocínio, precisamos entender a sua importância. Especialmente quando discute, propõe e ainda recomenda aos chefes de estado as políticas públicas para questões inquietantes. A Amazônia é o tema atual. Os números dos principais institutos técnicos na área ambiental apontam para essa preocupação. Esses números não podem ser desprezados. Trata-se de uma questão de bom senso. A batalha intensa que os ambientalistas sérios procuram travar será sempre pela preservação da vida e do meio ambiente. Esse tema estará no centro das discussões do sínodo dos bispos a ser presidido pelo papa Francisco. As conclusões desse colóquio serão sempre bem-vindas e se constituirão em novos rumos para o enfrentamento do tema. 

Incorrem em ledo engano os que pensam que o colóquio está minado de interesse político. Nada disso. Serão decisões de caráter colaborativo. O próprio papa Francisco descartou a ingerência política. Assiste razão ao pontífice. O clero brasileiro não precisa desse tipo de opinião para exarar seus juízos técnicos. Sua formação sacerdotal é completa. Não se circunscreve apenas à Filosofia e à Teologia. Alcançam todas as áreas do conhecimento humano. Os cardeais e os bispos são os ministros de Estado do papa. Seus pareceres estão estribados em conhecimentos técnicos. Por isso precisam ser recebidas com o especial interesse pelos governantes lúcidos. Vencer os desafios precisa ser o norte de qualquer chefe de governo desejoso de estabelecer com o seu governado um relacionamento respeitoso.

No mundo inteiro não existe mandatário incauto. Essa assertiva resulta incontroversa. Todos saberão avaliar, no momento oportuno e de forma adequada, as recomendações plantadas no colóquio. O interesse sagrado da pátria estará sempre em primeiro lugar. A sua soberania não pode ser desrespeitada. O papa Francisco sabe muito bem interpretar esse assunto. Sabe ainda avaliar onde as suas decisões, as suas opiniões e as suas recomendações podem alcançar sem ferir as boas e sadias relações diplomáticas. Não existe outra forma de interpretar as suas recomendações. 

Do sínodo, em especial. Os governantes no mundo inteiro precisam fixar o entendimento de que os conselhos do pontífice estarão sempre ancorados em alicerces sólidos. O bom senso, o equilíbrio e as ações comedidas são suas vertentes preciosas. A marcha de qualquer governante na direção oposta a esse entendimento evidenciará a soberba, motivará o orgulho e desencadeará a insensatez. Esses temas não se coadunam com a grandeza da mais alta magistratura da nação. Mas não se trata apenas desses indicativos. A Santa Sé exporta para o mundo inteiro todos os dias a esperança, o congraçamento dos povos, a fé, o amor e o perdão. Os ensinamentos sagrados do Cristo. 

O papa, como qualquer outro ser humano, é passível de erros. Trata-se de um simples mortal. Com os seus pecados e suas virtudes. Em razão dessas circunstâncias, cresce a importância das áreas técnicas do governo de avaliarem tecnicamente as conclusões do sínodo. Se não forem convincentes, não haverá necessidade de respostas ásperas, provocativas ou desrespeitosas. As ações dos governos precisam ser sempre elegantes; despertam na população um sentimento nobre de grandeza, de propósito, e instrumentalizam uma ação eficaz para o governado entender melhor a decisão governamental. Mas não é só. 

O Estado brasileiro não está obrigado a cumprir a decisão do papa oriunda do sínodo ou qualquer outra decisão plantada fora dos nossos limites territoriais. Essas decisões não trazem no seu bojo a sua força cogente, ou seja, uma obrigação legal. Essa regra não existe no Direito Internacional Público. A soberania do Estado está bem à frente dessa proposta. As decisões do sínodo serão apenas indicativos, recomendações. Nada mais.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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